27 de março de 2009

How to Irritate People

Antes dos Monty Python (a melhor e mais genial trupe cómica do século XX), três dos elementos que viriam a formar o seu núcleo duro gravaram um documentário para a BBC intitulado How to Irritate People. Este programa único, gravado em 1968, conta com a presença de John Cleese, Graham Chapman e Michael Palin e nele podem já vislumbrar-se alguns elementos típicos dos Python, nomeadamente o nonsense e o inusitado exagero de situações triviais. Consta que esta peça nunca foi transmitida em Inglaterra, mas foi-o nos Estados Unidos (quem diria!?), que resgataram esta pérola da comédia britânica do esquecimento por parte das gerações vindouras.
How to Irritate People consiste numa série de sketches que exemplificam como enfurecer, advertida ou inadvertidamente, o próximo, assim como colocá-lo numa situação ansiogénica. O mote está dado para um sem-número de situações que conseguem ser simultaneamente irritantes e hilariantes ao extremo. Para além do significado histórico desta produção, que lança desde logo os alicerces para as fundações dos magistrais Monty Python, a qualidade cómica é intemporal e não há cabeça inteligente que não fique em êxtase perante estas perfeitas demonstrações de como fazer rir com ironia britânica, sarcasmo certeiro e surrealismo alucinante. Tentei colocar um sketch exemplificativo do tom geral que reina nesta peça, acabei por colocar cinco em quatro amostras. Todos são infalíveis e é difícil encontrar a pedra mais preciosa no meio de um imenso tesouro...







Guilty Pleasure

Coast To Coast Motel é o álbum ideal para ouvir no carro enquanto se conduz de janela aberta à beira-mar; ideal para levar para a pesca com os amigos, sendo que a pesca consiste essencialmente em esvaziar latas de cerveja gelada em detrimento de colocar anzóis nas canas; ideal para um churrasco bem regado numa tarde amena; ideal para uma noite de bilhar, whisky e cigarros... Em suma, trata-se da música de eleição para quem não queira cogitar muito e prefira apreciar um bom momento cuja banda sonora só pretende dispor bem. Tal como os G.Love & Special Sauce, que têm uma postura tão relaxada que este disco parece ter sido gravado no alpendre de uma velha casa americana em noite estival e na companhia dos grilos. É impossível não ficarmos à vontade logo a partir do groove de Sweet Sugar Mama; Leaving The City pede que se abra o frigorífico e se tire a primeira cerveja; Nancy pode despertar o súbito desejo de nos deitarmos numa rede; Soda Pop é uma das muitas sentidas homenagens ao demónio da garrafa; Bye Bye Baby revela reminiscências do Elvis da melhor safra; Tomorrow Night evoca as maravilhas de possuir um cão; Kiss And Tell, talvez o tema mais directo do disco, alerta para os perigos da poligamia e o vídeo reflecte bem os caminhos que estes jovens de Filadélfia gostam de trilhar. Sem serem uma banda de grande relevância e, exceptuando este álbum, sem uma discografia imprescindível, os G.Love & Special Sauce cativam, em suma, pelo despretenciosismo e a simples vontade de partilhar com o ouvinte o bom karma que a música transmite. Cool and relaxed...

26 de março de 2009

Danse Macabre


Richard D. James possui uma fisionomia sui generis. Através de vários alter egos, dos quais o mais conhecido é Aphex Twin, tem-nos brindado na última década e meia com alguma da música electrónica mais vanguardista e, ao mesmo tempo, mais demencial que há memória. Temas cerebrais como Didgeridoo ou Ventolin são uma mescla de ritmos vertiginosos, oceanos de distorção e samplers abrasivos. Outros, como Blue Calx ou Windowlicker surgem como devaneios mais ambientais e sedutores, mas não menos intrusivos. Como se algo não batesse certo no meio da aparente bonomia... O 2º tema deste último EP, intitula-se simplesmente ΔMi−1 = −aΣn=1NDi[n] [Σj∈ℂ{i}Fij[n − 1] + [Fexti[[n−1]]]] e é conhecido mais prosaicamente como Mathematic Equation. Nesta peça, o rosto de Aphex Twin surge materializado sob a forma de um Espectrograma. O Espectrograma é, essencialmente, um medidor de sinais fonéticos e da sua variação. Engenhosa e subliminarmente, Richard D. James consegue subverter o que geralmente é apenas uma cascata de cores e oscilações, inserindo a sua imagem como se o próprio som a originasse. A imagem formada nessa análise espectral encabeça este texto.
Desbravando a música de James, experienciamos um especial agrado em causar inquietação e injectar pequenas doses de terror em quem a ouve. Há um sentimento latente de algo maléfico que parece espreitar por trás de cada inflexão rítmica ou mesmo da acalmia enganadora dos temas. Se esta ansiedade induzida flutua ao redor do ouvinte, a nível visual o efeito não é menos inquietante. Comecei por dizer que Richard D. James é dotado de uma fisionomia muito especial. Um facies de contornos pouco vulgares, talvez. Ao distorcer esse rosto e ao colocar-lhe um permanente sorriso charmosamente demoníaco, resultam vídeos que têm tanto de arrojado como de curtas-metragens de terror desenroladas numa câmara de torturas electrónica. Come To Daddy e Windowlicker, ambos realizados magistralmente por Chris Cunningham, serão provavelmente dos clips mais perturbadores alguma vez produzidos. Podemos sorrir perante alguns dos exageros, mas uma ligeira sensação de estranheza ficará a pairar no limite desse sorriso...





Imagiologiarte

A maioria dos indivíduos que vai ao médico voluntária ou involuntariamente, saberá certamente o que é uma TAC. A Tomografia Axial Computorizada utiliza raios X, cujo emissor gira à volta do indivíduo, ao mesmo tempo de receptores que vão medir as variações de intensidade dos raios após a sua passagem através do corpo. A partir daí, são efectuados planos de corte sob diferentes ângulos, sendo que, mediante estas informações, um computador fornece uma imagem representando os tecidos atravessados por camadas de alguns milímetros, que “empilha” para reconstruir uma imagem em 3D.
Satre Stuelke é um artista e estudante de medicina que, desde 2007, tem vindo a aplicar esta técnica a outras finalidades que não o estudo imagiológico do corpo humano. Assim sendo, este senhor tem radiografado tudo e mais alguma coisa, desde a Barbie da filha a esse ícone da cultura ocidental que é o Big Mac. Para um vislumbre diferente da realidade física dos objectos que nos cercam, todos esses cortes axiais estão disponíveis no site http://www.radiologyart.com/.

22 de março de 2009

25 Sons para a Primavera


Spring has sprung, finally! Seguindo o apanágio sazonal deste blog, segue desta feita a escolha dos discos indiepoprockandwhatsoever que mais faço girar na estação preferida dos otorrinolaringologistas...

1. Love - Da Capo

2. The Pale Fountains - Pacific Street

3. The Stone Roses - The Stone Roses

4. Harmonia - Deluxe

5. Quicksilver Messenger Service - Happy Trails

6. Pixies - Doolittle

7. Sonic Youth - Murray Street

8. Jim O' Rourke - Insignificance

9. Air - Moon Safari

10. Zero 7 - Simple Things

11. Talk Talk - The Colour Of Spring

12. Talking Heads - Remain In Light

12. Yatha Sidhra - A Meditation Mass

13. Can - Soon Over Babaluma

14. Pulp - Different Class

15. Manu Chao - Clandestino

16. Grizzly Bear - Veckatimest

17. Kevin Ayers - Joy Of A Toy

18. Belle & Sebastian - Dear Catastrophe Waitress

19. Happy Mondays - Bummed

20. Frank Zappa - Hot Rats

21. Cocteau Twins - The Pink Opaque

22. Dead Can Dance - Aion

23. XTC - Skylarking

24. Marvin Gaye - What's Going On

25. Gong - Angels Egg

EBG


Falemos da ECM. Não da Empresa de Cervejas da Madeira, mas da editora alemã fundada em 1969 na cidade de Munique por Manfred Eicher e cuja sigla significa Edition of Contemporary Music. Na minha humilde opinião e se a editora fosse portuguesa, mudar-lhe-ia o nome para EBG: Extremo Bom Gosto. Razões para este novo baptismo não faltarão.
A ECM é, actualmente e desde há largos anos, a casa de muitos dos melhores criadores e intérpretes de jazz de que há memória. Para além disto, e desde finais dos anos 70, alberga igualmente o que de melhor se faz ao nível da música contemporânea, lançando obras de compositores tão influentes e determinantes como Arvo Pärt, Steve Reich ou Heiner Goebbels. Sem desprimor para estas ECM New Series, centremo-nos no jazz, algum dele oriundo das mais improváveis paragens e peça central no xadrez desta editora, que tanta qualidade tem dado ao mundo nesta área.
Ao fim de 40 anos de história, a ECM ganhou uma estética própria. Essa estética advém dos nomes do seu catálogo, da qualidade nórdica das suas gravações e dos magníficos e irrepreensíveis trabalhos artísticos que se exibem invariavelmente pelas capas dos LP's e CD's dos seus numerosos lançamentos. Tal como as lendárias editoras 4AD e Factory criaram uma imagem (e uma linguagem) à parte nos anos 80, sustentada pelas imediatamente reconhecíveis capas de cariz gótico, barroco e romântico da primeira e pelos designs vanguardistas de Peter Saville & Co. da segunda, assim a ECM já o tinha feito e assim influenciou muitos sucedâneos, independentemente do tipo de música que editavam. E a música é o mais importante. No caso da 4AD, quem precisa dos In Camera ou dos Sort Sol? No caso da Factory, quem precisa dos Northside ou do inenarrável Steve Martland?
A música da ECM não é feita só de jazz e o jazz da ECM não é o mais facilmente rotulável. Do mais clássico ao mais vanguardista, encontra-se de tudo. Da enorme miríade de artistas que gravitam em torno desta editora, existem obras dispensáveis, claro está, mas não se pode despeitar um único criador. Aqui residem das peças mais sublimes que ouvi até hoje, provenientes de qualquer paleta musical, mas com o jazz em pano de fundo. Será impossível destacar uma única e definitiva, mas Portrait Of A Romantic, de John Surman, faz a noite irromper no meu quarto e deixa cair a lua e as estrelas no meu chão sempre que a ouço; Conte De L'Incroyable Amour, do tunisíno Anouar Brahem, tem o dom de nos fazer olhar para velas acesas, ou fechar os olhos e levitar-nos pelos céus nocturnos do deserto e pela brancura das medinas; Khmer, de Nils Petter Molvaer, com o seu trompete sonâmbulo e lampejos de electrónica é a banda sonora ideal para conduzir por uma cidade espectral e vazia como Lisboa às 4 da manhã; a primeira parte do Köln Concert de Keith Jarrett é, garantidamente, a mais bela improvisação feita para piano que alguma vez ouvi. Ainda hoje me faz pele de galinha a evolução daquela melodia e sinto arrepios de prazer a partir do minuto 07:14. Isto sem esquecer o saxofone de Jan Garbarek, o piano de Paul Bley, a guitarra de Terje Rypdal ou o contrabaixo de Dave Holland... Enfim, podia ficar aqui o resto da noite a enumerar pequenos milagres, como o álbum de 2005 do baterista Paul Motian, cuja capa encima estas linhas e cujo estilo mantém a essência da editora germânica assente em estacas bem firmes no século XXI.
A música da ECM é quase um estilo de vida. É música feita em tons de cinzento, preto e branco, com estilhaços de vermelho e muitos mantos de diferentes tons de azul a cobri-la. É música urbana, sofisticada e moderna, feita à medida das grandes cidades, mas infectada por um romantismo antiquado e incorrigível. Não será certamente música para adolescentes ou perseguidores de adrenalina, mas, e ao cair nos trinta, é música que me faz sentir muitas vezes que a minha solidão, se brotar especialmente à noite, terá sempre companhia.

Kosmische Kosmetik III

Thomas Dinger foi o irmão mais novo de uma das figuras mais incontornáveis do krautrock, Klaus Dinger, o mentor dos geniais Neu!.
Exceptuando os dois primeiros álbuns da banda supracitada, Thomas foi o baterista de serviço nos projectos do irmão mais velho e assumiu esse papel de forma mais proeminente nos não tão geniais mas não menos superlativos La! Düsseldorf. Este papel mais ou menos secundário e potenciador de um esquecimento instintivo, não o impediu de gravar a solo um álbum de rara beleza e raro de encontrar que dá pelo nome de Für Mich.
Nesta edição de 1982, já longe da era clássica e mais inventiva do rock alemão da primeira metade dos anos 70, encontramos um disco que parece tudo menos criação de um baterista. Obra essencialmente atmosférica e minimal, principia com o sublime Ballgeflüster, elegia electrónica, outonal e hipnótica, uma dança em espiral que se eleva lentamente até ao desmaio final. Leierkasten será provavelmente um intróito do hermético humor teutónico e passa como uma nuvem até aos latidos caninos que abrem Für Dich, tema enraizado na melhor tradição dos Neu! e La! Düsseldorf e o que melhor deixa transparecer o instinto rítmico de Thomas Dinger. Melodia a motor, que se entranha na pele e nos transporta em mais uma viagem de partida incerta e sem destino. E-605, a próxima paragem, será, talvez, a peça-chave do álbum. Um início lento, lentíssimo, quase fúnebre na desolação sonora que se vai revelando aos poucos, abre caminho a um piano delicado e a um xilofone que o segue como uma sombra. A bateria surge, esparsa e marcial, marcando o ritmo de uma longa marcha em câmara lenta que os Joy Division aplaudiriam de pé. O significado disto? Não interessa. Para onde caminha esta triste e dolente procissão musical? Menos ainda. Mas não importa. Música assim não é para interpretar, somente para sentir o privilégio de a podermos ouvir. Alleewalzer prossegue a toada elegíaca mas melódica, desta feita em modo electrónico-celestial, impregnado de nostalgia. Provavelmente por algo aconchegante que já tivémos e perdemos. Für Euch encerra o disco, com brevidade e abstracção, como se o que o que se tivesse passado antes não fosse para ser lembrado e o despertador da realidade iniciasse o seu triste martelar. Como foi dito, esta não parece ser a obra de um baterista. Mas os irmãos Dinger sempre desafiaram o óbvio. E este mundo já está saturadamente cheio de coisas previsíveis...

12 de março de 2009

Men In Black


They are too old to be punks, but too outrageous not to be. Este tipo de frases definia e descrevia os Stranglers quando surgiram com o seu primeiro álbum em 1977, em pleno acme da revolução punk. Rattus Norvegicus era um álbum possuído por uma atitude de cinismo, ameaça e confrontação, mas, e ao contrário da maioria das bandas britânicas da época, interpretado numa toada virtuosista e melodicamente sombria que tanto os aproximava dos Clash como dos Doors. Temas como (Get a) Grip (on Yourself) ou o fabuloso Hanging Around eram ao mesmo tempo actuais e remotos, como se os Stranglers incorporassem elementos de classicismo no punk, em vez de adoptarem única e exclusivamente uma estratégia D.I.Y.. Solos de guitarra e órgão e canções com mais de 3 minutos não eram propriamente queridos das bandas punk da época, mas os Stranglers faziam-no e não deixaram de ser uma das bandas mais controversas e com uma das auras mais negras da história. Uma banda de e para homens de barba rija, poderíamos afirmar, ou não fossem os temas abordados muitas vezes misóginos e versando uma certa submissão sexual feminina, como em Peaches ou Bring On The Nubiles. Entre outras rebeldias e comportamentos confrontacionais, são de realçar igualmente o encarceramento esporádico de membros da banda por drogas e violência, o facto de lançarem fumo tóxico sobre as audiências na tournée do álbum The Raven e a recusa em tocar ao vivo o seu maior sucesso de sempre, Golden Brown, o que, invariavelmente, dava origem a motins nos concertos...
Após os viscerais e enérgicos No More Heroes e Black & White e com o canto do cisne da era dourada do punk inglês, os Stranglers acharam por bem mudar de rumo, suavizando e complexificando a sua sonoridade. Após um álbum de transição, mas com bons argumentos (o supracitado The Raven) e a experiência semi-falhada de The Gospel According to the Meninblack (trabalho empolado no qual a perfeição se esgota na primeira faixa...), surge em 1981 o que muitos consideram ser a obra-prima da banda: La Folie. Mais influenciado pela New Wave americana do que pelo Pós-Punk britânico da altura, o álbum resume eficazmente a essência dos Stranglers, misturando a agressividade dos primórdios a belas e oníricas melodias. A partir daqui, a mediodridade e a decrepitude foram lentamente instalando-se. Os discos subsequentes, Feline e Aural Sculpture têm a sua quota de bons momentos e das típicas melodias doces com palavras azedas, mas nunca alcançam o brilhantismo do passado. Dreamtime é praticamente dispensável, assim como quase tudo o que se segue. A banda verá um fugaz ressurgimento com os dois últimos álbuns, Norfolk Coast e Suite XVI, trabalhos decentes, mas que funcionam mais como combustível para o enorme culto que a banda possui em Inglaterra e em França, sendo que os lusitanos sempre foram igualmente entusiastas do quarteto de Guilford. Há alguns anos sem o vocalista original Hugh Cornwell (que, ao que consta, recebeu ameaças de morte quando deixou a banda - isto sim, são fãs dedicados!), os Stranglers encontram-se actualmente sob o comando do baixista Jean-Jacques Burnel, frontman não menos carismático e que dá voz a um dos temas mais belos e distintos da banda, La Folie, cujo vídeo conclui esta dissertação. Mesmo sem a relevância e a lendária agressividade de outrora, este grupo deve ser recordado como um dos melhores do planeta entre fins de setenta e a primeira metade dos anos oitenta.


Monsieur Pop


Há uns dias, ao folhear a mui interessante e influente revista Jazz Times, deparei-me com a notícia que Iggy Pop iria lançar um novo álbum, impregnado de francofonia. Uma publicação dedicada maioritariamente ao Jazz não seria o sítio onde esperava encontrar tal notícia, mas o próprio James Osterberg define a obra como “not a rock album, more jazzy stuff … it’s a quieter album with some jazz overtones.” Vindo da voz dos seminais Stooges e do autor de obras tão bombasticamente roqueiras como American Ceasar ou Skull Ring, isto não deixa de surpreender. Mas o que é certo é que tons mais densos e circunspectos sempre povoaram a obra de Iggy, desde o injustamente ignorado Avenue B, passando pelo urgente e urbano Lust For Life e pelas odes dolentes, decadentes e nocturnas do magistral The Idiot. Com saída prevista para Maio, e como admirador profundo das diatribes deste senhor, aguardo ansiosamente por Préliminaires. Em http://www.iggypoppreliminaires.com/ assistimos a uma breve explicação para o leitmotiv que rodeou a obra em assunto e que apresentará Iggy Pop ao mundo a cantar em francês...

Cronic Groove

Nunca fui admirador fervoroso de rap ou de hip-hop. Este género musical nunca me preencheu na totalidade. Talvez por não me identificar com os problemas dos bairros nova-iorquinos, ou por não ser consumidor compulsivo de peças de joalharia masculina... Public Enemy, De La Soul, Disposable Heroes of Hiphoprisy, Cannibal Ox ou El-P e algumas doses de Kanye West ou Anti-Pop Consortium são honrosas excepções. No entanto, e talvez pelo facto da sua música sempre ter sido contaminada por influências saudáveis como o jazz ou o funk e assentar num contínuo e irreverente groove, sempre nutri um especial carinho pelos Beastie Boys. Os tempos jocosos e hedonistas de Licensed to Ill foram dando lugar à depuração e a um bom gosto cada vez mais vincado em termos de composição e do uso e abuso da samplagem. Um groove crónico e irresistível escorre dessa magnífica epítome do cool que é o álbum instrumental The In Sound From Way Out! e o ecletismo colorido e alucinado de obras como Paul's Boutique ou Hello Nasty constitui uma autêntica terapia alternativa para stress e depressões. A imaginação delirante destes eternamente jovens quarentões açambarca um ror de estilos, conforme o seguinte clássico comprova...


Beastie Boys - Body Movin'
Enviado por hushhush112. - Veja mais vídeos de musica, em HD!

Uisge Beatha


O melhor presente de aniversário que recebi este ano foi uma garrafa de Isle Of Jura, um soberbo whisky escocês e o único produzido nesta ilha. Dotado de um aroma a madeira velha e a especiarias como a canela e um paladar suave com um travo a água salgada, este raro whisky transporta-me para Norte sempre que o bebo. Quase sinto a brisa fresca do mar e a pureza da água que brota da montanha para lhe dar vida. Para uma viagem virtual à Ilha de Jura, ao seu quotidiano calmo e paisagens revigorantes, os apreciadores do verdadeiro whisky têm o dever de visitar o site http://www.isleofjura.com/. E de bebê-lo, naturalmente...

6 de março de 2009

Sub-Mundo

"Vou fazer um slideshow para você.
Está preparado?
É comum, você já viu essas imagens antes.
Quem sabe até já se acostumou com elas.
Começa com aquelas crianças famintas da África.
Aquelas com os ossos visíveis por baixo da pele.
Aquelas com moscas nos olhos.
Os slides se sucedem.
Êxodos de populações inteiras.
Gente faminta.
Gente pobre.
Gente sem futuro.
Durante décadas, vimos essas imagens.
No Discovery Channel, na National Geographic, nos concursos de foto.
Algumas viraram até objetos de arte, em livros de fotógrafos renomados.
São imagens de miséria que comovem.
São imagens que criam plataformas de governo.
Criam ONGs.
Criam entidades.
Criam movimentos sociais.
A miséria pelo mundo, seja em Uganda ou no Ceará, na Índia ou em Bogotá sensibiliza.
Ano após ano, discutiu-se o que fazer.
Anos de pressão para sensibilizar uma infinidade de líderes que se sucederam nas nações mais poderosas do planeta.
Dizem que 40 bilhões de dólares seriam necessários para resolver o problema da fome no mundo.
Resolver, capicce?
Extinguir.
Não haveria mais nenhum menininho terrivelmente magro e sem futuro, em nenhum canto do planeta.
Não sei como calcularam este número.
Mas digamos que esteja subestimado.
Digamos que seja o dobro.
Ou o triplo.
Com 120 bilhões o mundo seria um lugar mais justo.
Não houve passeata, discurso político ou filosófico ou foto que sensibilizasse.
Não houve documentário, ONG, lobby ou pressão que resolvesse.
Mas em uma semana, os mesmos líderes, as mesmas potências, tiraram da cartola 2.2 trilhões de dólares (700 bi nos EUA, 1.5 tri na Europa) para salvar da fome quem já estava de barriga cheia: Bancos e investidores."


O texto acima foi atribuído a Muniz Neto, director e sócio da Bullet, uma das maiores agências de propaganda do Brasil. Depois de o ler, não há muito mais a acrescentar. Somente a necessidade de reflexão e consciencialização perante mais um retrato do mundo em que vivemos. Todos, sem excepção...


4 de março de 2009

Zapping

Existiram ou existem poucos artistas tão profícuos como Frank Zappa. No seu tragicamente curto tempo de vida editou 57 álbums entre 1966 e 1993. O ecletismo esteve sempre presente na sua obra, onde o maior facilitismo melódico se associa ao rock e a estilhaços de doo-wop, tudo entrecruzado com a complexidade e o experimentalismo da música concreta, de Varèse a Boulez, e com pontuais reciclagens de Stravinsky. Mas a melhor maneira de classificar a música de Zappa é como inclassificável. Para além de um sentido composicional inovador e original, a sua obra sempre foi arrojada e controversa, roçando muitas vezes um humor peculiar e nos limites do politicamente correcto. Exemplo disso são obras essenciais como Over-Nite Sensation ou Apostrophe, carregadas de imagética subliminar ou declarada de sexo e escatologia. Se as paródias (brilhantes e abrasivas) podem não agradar aos mais puritanos ou conservadores, a música é transversal, conseguindo contagiar os mais diferentes públicos e influenciar artistas tão díspares como Alice Cooper ou os Henry Cow.
Entre outras contribuições mais ou menos inventivas para a música do século XX, uma das genuinamente Zappianas foi a xenocronia. Esta técnica composisional consiste em extrair um solo de guitarra ou outra parte musical do seu contexto original e colocá-la num tema completamente diferente. Melodias intrincadas e complexas mudanças de estrutura e harmonia são igualmente a sua imagem de marca, tal como no sublime instrumental Peaches En Regalia, primeira peça do não menos genial Hot Rats. É uma das composições mais geniais do seu cânone e uma das mais eloquentes cartas de apresentação da sua obra.

3 de março de 2009

Beef Art

A influência de Captain Beefheart, alter ego de Don Van Vliet, espraia-se tentacularmente pela música moderna. De Tom Waits a PJ Harvey, passando pelos Pere Ubu ou pelos belgas dEUS, uma miríade de artistas de considerada relevância na actualidade foi beber a esta fonte. Não faltam obras-primas na sua discografia, toda ela assente na desconstrução e reinvenção dos blues mais primários, oriundos do delta do Mississippi, combinada com melodias cromáticas, ritmos estranhos e descompassados e letras a roçar o surrealismo. Em suma, música em estado selvagem. A sobrepôr-se a tudo isto, a voz única de Beefheart, impressionante e reminiscente do grunhido negro dos bluesmen mais remotos. Álbuns de referência como Safe As Milk ou o genial e inimitável Trout Mask Replica são imprescindíveis em qualquer discografia digna desse nome.
Ice Cream For Crow foi o último álbum de Captain Beefheart, acompanhado, como na esmagadora maioria das vezes, pelos seus acólitos The Magic Band. Datado do já longínquo ano de 1982, não tem comparação possível com nada lançado nesse período e solidifica ainda mais a imagem de Don Van Vliet como ícone irrepetível e insubstituível, sempre um solavanco na modorra do trajecto. Depois deste disco, veio a reclusão no Mojave, a dedicação em exclusivo à pintura e, sem certezas absolutas, a esclerose múltipla. O que é certo é que este homem faz muita falta... Vale a pena visitar a parcela do seu mundo patente em http://www.beefheart.com/; vale a pena recordar a sua imagem sempre peculiar no seguinte vídeo, que consta ter sido banido da certinha e previsível MTV aquando da sua divulgação por ser demasiado bizarro...


1 de março de 2009

Weeping Wall of Sound

Um artista que assina a sua obra como Dion pode, à partida, causar calafrios a qualquer melómano mais incauto e conhecedor das terríveis consequências que poderão advir de tal nome. Não é o caso de Dion DiMucci, ítalo-americano que, em 1974, editou uma obra-prima intitulada Born To Be With You. Este assombroso álbum foi produzido por Phil Spector, homem conhecido pelas sua postura excêntrica e megalómana. Para não destoar das tendências artísticas de Spector, nomeadamente do seu sobejamente conhecido método de produção Wall of Sound, foram trazidos para acompanhar Dion nas gravações de estúdio 40 músicos, incluindo doze guitarristas, sete percurssionistas e cinco pianistas. O que indicia uma obra pesadamente barroca, a transbordar de instrumentos e excessivamente orquestrada, resume-se a um dos discos mais belos que o mundo alguma vez conheceu. Talvez porque, quer Dion, quer Spector, estivessem em fase descendente em ambas as carreiras, a música de Born To Be With You é uma repetida catarse e uma meditação profunda sobre o amor, a decadência e o envelhecimento inexorável. A prestação vocal de Dion é majestosa na entrega e expressividade que demonstra e, aliada a uma instrumentação voluptuosa e irrepreensível, desencadeia um efeito arrepiante e devastador a quem se deixar levar por este turbilhão emocional. Temas incandescentes e a roçar o divino, como Born To Be With You ou (He's Got) The Whole World In His Hands, aliados ao desencanto de In And Out Of The Shadows, ao desejo desesperado de Make The Woman Love Me e ao amor cansado de Only You Know são diamantes, logo, eternos. E o eco daquela voz... mas que voz!

Sukiya

Tive o privilégio de estar presente na inauguração do Sukiya há uns dias atrás. O Sukiya é um bar, um restaurante, uma casa de chá, um espaço gourmet, uma enoteca, uma livraria e um local para relaxar. Propriedade da administração da primeira encarnação do saudoso bar Até ao Fim, no Parque das Nações, não possui a exiguidade e o negrume deste espaço, distinguindo-se desde logo pela abertura das áreas e pela claridade pungente. A música que passa continua a ser de qualidade acima da média, tal como a do extinto bar alfacinha. Provar excelentes vinhos do Douro ao som de Leonard Cohen ou Robert Wyatt só nos aproxima mais do sublime...
A decoração eminentemente nipónica, cruzada com uma arquitectura moderna, mas reminiscente do estilo bauhaus, tornam os dois andares do Sukiya um local acolhedoramente abstracto, despojado sem ser frio, austero e zen em simultâneo. Encontramos ecos dispersos de fusuma na sala do restaurante, bem como de shoji no piso inferior, onde um agradável e fresco espaço verde, ladeado de bambus convida a tardes de tertúlia, leitura ou simplesmente a ouvir o vento.
A visitar e explorar, quer pela magnífica ousadia estética do espaço, quer pela simpatia e bom gosto dos anfitriões, na Rua de Vasques de Mesquita - Porto, ou, sem aviso prévio, em http://sukiya.com.pt/.