24 de outubro de 2010

No Wave, James

James Siegfried, ou James Chance, ou James White, é um dos nomes flagrantes do movimento No Wave nova-iorquino de finais de 70. Co-fundador (com Lydia Lunch) dos Teenage Jesus & the Jerks e mentor dos Contortions e dos Blacks, James (...) foi um dos pioneiros na fusão entre punk e jazz, entre punk e funk.
Off White, primeira de duas obras editadas sob o nome James White & The Blacks, é a obra onde melhor se expõem as entranhas desta osmose. Disco de 1979, tresanda a uma Nova Iorque nocturna, vampírica, escura e suja por todos os poros. Se James Brown salta à vista pelas razões óbvias do heterónimo escolhido pelo vocalista / saxman, o jazz mais visceral e libertário de Albert Ayler ou Eric Dolphy pulula pelas desconjuntadas composições do álbum.
Se fosse feita justiça a Contort Yourself, esta seria um clássico em qualquer pista de dança inteligente (e intemporal) do mundo. Mistura perfeita entre disco sound viperino e o pontual látego do free jazz, é um dos melhores temas de sempre da No Wave. Entranha-se sem explicação, enquanto a letra bombeia questões insofismáveis como Why don't you try being stupid instead of smart?.
Stained Sheets podia ser banda-sonora de filme pornográfico low budget. Uma conversa telefónica entre um macho man e uma senhora (neste caso, Lydia Lunch) que responde apenas com gemidos. Sentem-se os néons vermelhos a piscar, iluminando quartos minúsculos com camas desfeitas e cinzeiros cheios de beatas em pirâmide. A bipartida Almost Black é uma delícia sleazy, um escapismo nocturno pelas ruas de Brooklyn ou Harlem, ignorando ou encarando o olhar das prostitutas, enquanto o fumo emerge das caves onde o jazz se esvai como baforadas vulcânicas.
Off White acentua a vertigem nocturna e fumarenta, carregada de bourbon e batôn vermelho sobre golas brancas. Apagam-se cigarros no tablier, entornam-se garrafas no banco de trás. Alguém terá algo filosófico a dizer, um quadro para mostrar, um poema instantâneo para recitar, nesta Big Apple fora de horas, mas que nunca dorme. O saxofone de James White guincha e intriga sobre a teia rítmica, que se confronta cara a cara. O panorama não muda, parecendo até acentuar-se, num disco que avança como uma noite avariada, carregada de personagens estranhas e ambientes densos e irreais. Basta penetrar de ouvidos bem abertos na estilhaçada arritmía de White Devil ou na música de fundo de strip-tease para zombies de Bleached Black. Mas há sempre espaço de sobra para o humor negro neste álbum transgressor. Basta ouvir o jazz funk apunkalhado do magistralmente endiabrado tema que o encerra, intitulado Christmas with Satan. E até o calypso se imiscui nesta paisagem opressivamente urbana, no belíssimo e detached (Tropical) Heat Wave. Claro que os estilhaços dissonantes do saxofone flagelam a melodia ensolarada, senão isto não seria Nova Iorque em 1979.
O colectivo conhecido como James White & The Blacks editaria mais um disco de impacto, Sax Maniac, em 1982. Entretanto, a banda acabaria por metamorfosear-se nos Defunkt e James Siegfried (ou Chance, ou White) prosseguiria a sua saga só ou (melhor ou pior) acompanhado. Até hoje, sendo que a recente e excelente compilação Twist Your Soul - The Definitive Collection, fornece uma importante súmula deste músico tão rebelde e inovador. Um maníaco do saxofone, como se assiste neste excerto da obra de culto Downtown 81, filme obrigatório e que regista em regime free form o movimento No Wave.