É costume dizer-se que o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Os californianos Quicksilver Messenger Service surgiram para contrariar esse rebuscado dogma. Rezam as crónicas que Chet Powers (Dino Valenti no meio artístico), o mentor da banda, foi preso por posse de marijuana no dia que se seguiu ao seu primeiro ensaio. Isto aconteceu em 1965, três anos antes dos QSM editarem o seu álbum inaugural. Grupo rodado e habituado ao pó da estrada, chegou a 1968 sem o fundador, mas num misto de frescura e experiência, com uma sonoridade distintiva que os transformou num dos pilares do psicadelismo da West Coast.
Em menos de um ano, o panorama altera-se. Após Happy Trails, o fulcral Gary Duncan abandona o grupo (diz-se que foi percorrer a América de mota...) e o segundo registo editado em 1969 é uma súbita encruzilhada na auto-estrada psicadélica. Shady Grove nunca será um mau disco. Mas coloca os QSM no roteiro das bandas mais convencionais numa altura em que poderiam ter expandido o seu som até ao fim do horizonte. A saída de Duncan parece tê-los deixado como um cão com três patas. Povoado por canções mais contidas no tempo e no espaço, Shady Grove tira do armário os esqueletos da folk e dos blues e cruza-os amiúde, como no tema-título e Holy Moly. Mas também separa a clara da gema, como em Flute Song ou Words can't Say. A estrela da companhia desta feita é o recém-recrutado Nicky Hopkins, pianista inglês e session man de gente como os Rolling Stones e Beatles. O seu estilo escorreito e sofisticado acrescenta ao disco um aroma de honky tonk erudito, especialmente no fabulosamente apurado Edward, The Mad Shirt Grinder.
O Verão do Amor da banda prolonga-se em What About Me. Igualmente editado em 1970, é um disco muito similar ao seu antecessor, acrescentando sopros em alguns dos temas. Continua a busca por sonoridades mais directas, o que se encontra logo no tema de abertura, manifesto capaz de aliviar uma otite. A aridez dos blues desponta em Local Color e Good Old Rock'n'Roll é exactamente o que anuncia. Mas o álbum acaba por ser mais um caldeirão de canções banhadas pelo sol da Califórnia. Baby Baby, Spindrifter e Call on Me são nomes talhados nas palmeiras, apetece quase vestir uma camisa às flores (uma que não seja muito foleira, vá...) e tomar uns mojitos a olhar o Pacífico. Long Haired Lady é uma típica balada ao estilo Dino Valenti e All In My Mind acrescenta uma tonalidade caribenha às cores quentes da paisagem. Just For Love e What About Me são conhecidos como os álbuns hawaianos dos QSM. Está tudo dito.
Em 1971, a trupe perde dois pesos-pesados: John Cippolina e Nicky Hopkins. Este desfalque e o idílio dos dois últimos discos fazem adivinhar um grupo à beira de cair na auto-indulgência ou a tocar para turistas nos bares de Honolulu. Mas a música é feita de surpresas e o novo registo da banda de Dino Valenti prova que ainda estão a uns valentes anos da reforma. Quicksilver é bastante sólido e está recheado de composições fortes. As infusões de folk sabem melhor que nunca, especialmente em Hope e no divinal Don't Cry for My Lady Love. I Found Love poderia ter saído das mãos do Carlos Santana dos inícios e o genial Fire Brothers é um milagre nesta fase da banda. Um dos melhores e mais vincadamente psicadélicos temas da sua história aparece ao sexto álbum. Que mais se pode pedir? O patrão da 4AD, Ivo Watts-Russell, que sabe muito bem o que faz, incluiu uma versão sombria e quase irreconhecível deste tema em Filigree & Shadow do projecto This Mortal Coil. The Truth fecha o álbum em modo rock descomprometido. Acima de tudo, sente-se o prazer dos músicos que, nesta altura do campeonato, conseguem um disco surpreeendente e que resume a carreira da banda em todas as suas facetas.
Foi sol de pouca dura. Em 1972, Comin' Thru aniquila as esperanças de uns Quicksilver renovados e perenes. À excepção de dois ou três temas (justiça seja feita, California State Correctional Facility Blues ainda entusiasma...), o disco é uma desilusão perante o que tinha sido alcançado há apenas um ano. Para castigo, não ponho aqui a capa.
A banda volta à carga em 1975 e com o line-up original. Desta vez, parte do hype é verdadeiro e os QSM podem orgulhar-se do que apresentam. I Heard You Singing é boa, Gypsy Lights é melhor, Cowboy on the Run é a melhor de todas. Witches Moon e Bittersweet Love são prazenteiros regressos ao passado, o que constitui o único problema do álbum Solid Silver. Oito anos antes teria sido uma bomba, em 1975 é apenas um estalinho. Foram as melhoras da morte dos Quicksilver Messenger Service. A loja fechou e reabriu em 1986 pela mão de Gary Duncan. Mais valia ter sido demolida. O grupo que existe hoje é apenas um pálido retrato do passado. Uma banda de covers de si própria. Mas, quando chega o Verão, os fantasmas do passado de um dos melhores colectivos de sempre a sair de San Francisco, ícones incontornáveis do psicadelismo, chegam para nos atormentar de forma benfazeja. High Spirits...