6 de abril de 2012

Kosmische Kosmetik XXXVI

Pegue-se numa guitarra crua e num órgão mal passado. Adicione-se uma secção rítmica desejosa de largar suor e uma voz disposta a admitir que os blues nasceram na Alemanha. Misture-se tudo sem preceitos e leve-se ao forno à temperatura máxima, para que o cozinhado resulte nos Orange Peel. O equivalente krautrock dos Atomic Rooster ou dos Deep Purple dos primórdios. Dominados por teclados inflamados e um som gordo e saturado, os Orange Peel são a encruzilhada onde o rock alemão dá de caras com os blues em carne viva.
É um mistério o motivo pelo qual muitas das bandas germânicas de finais de 60 e princípios de 70 editaram apenas um disco antes de se sumirem sem deixar rasto. Por um lado, subsiste sempre a curiosidade em saber o que teriam feito e como a sua arte teria evoluído se não se dispersassem. Por outro, ainda bem que o fizeram, pois deixaram como legado obras de culto, achados irrepetíveis.
O único disco dos Orange Peel é um opus de quatro temas, abrasivo e em fúria constante, um caldeirão de emoções que faz atirar a toalha ao chão aos incautos que tentarem lutar contra as suas investidas. You Can't Change Them All, anuncia o primeiro tema. Mas bem que tenta, e é provável que o consiga, pois argumentos não lhe faltam. Trata-se de um épico de peito cheio, debulhando com energia tudo o que encontra pela frente. Toma o freio nos dentes e assume-se como uma das peças mais inflamadas e destabilizadoras de sempre nos anais do krautrock. O incêndio propaga-se em Faces That I Used To Know, intervenção rock curta e concisa, que foca na voz, no órgão e na guitarra os seus pontos essenciais.
Tobacco Road é o mais próximo que podemos falar de krautblues. O Reno transforma-se no Mississippi e a corrente arrasta-nos a velocidade psicadélica. Em We Still Try To Change, os Orange Peel encapsulam as suas práticas num tema só, debitando rock, blues, psicadelismo e desvario sem tréguas nem constrições. Mas tudo embrulhado e oferecido à maneira alemã. Os rodriguinhos aqui são supérfluos. Os disparos são à queima-roupa, sem direito a colete à prova de bala.
Em 1970, altura da edição deste registo, os Orange Peel ajudavam à disseminação do novíssimo e vanguardista rock alemão, juntamente com nomes como Faust, Can ou Amon Düül II. A memória de todos estes mantém-se bem viva até aos dias de hoje. Os Orange Peel, provavelmente os detentores de um som mais pesado e poderoso, se bem que menos arriscado, caíram no esquecimento. Mas a porta da memória está sempre entreaberta e o saber não ocupa lugar...