28 de novembro de 2015

Zénite Lunar

É impossível não chegar ao fim de Moon Blood com uma sensação de esmagamento. Especialmente para quem enceta, pela primeira vez, contacto com os Fraction.
Se existem bandas injustamente condenadas ao esquecimento, estes californianos são membros honorários do clube. Formado por trabalhadores que ensaiavam nas primeiras horas da manhã, e antes dos seus afazeres proletários, a estranheza deste quinteto acentua-se pelo facto de se assumirem como uma banda cristã. Mas que soa como se tivesse o diabo no corpo.
O que torna os Fraction apelativos é a entrega verdadeira que colocam em cada nota tocada e sílaba cantada. Uma urgência ponderada, mas igualmente ritualista. Certos arautos anunciam Moon Blood como o álbum que os Doors nunca fizeram mas que sempre almejaram, e é notória a aproximação - entre o transe e a explosão - do vocalista Jim Beach a Jim Morrison. Todavia, a ausência dos teclados floreados de Ray Manzarek e a preponderância das guitarras, regurgita ecos da escuridão dos Black Sabbath e da intensidade dos Stooges.
É tarefa complicada apontar pontos altos a uma obra tão monolítica e consistente como Moon Blood, o único longa-duração do grupo. O álbum funciona como um turíbulo que asperge incenso heavy psych a cada movimento. O ano do seu lançamento remonta a 1971, mas parece obra padroeira do stoner rock.
Se a produção reflecte os meios state of the art da época, podemos agradecer o facto dos Fraction não terem sofrido uma lapidação artificial. O som é crú e os únicos efeitos que prevalecem e intoxicam são o fuzz das guitarras, filhas pródigas do psicadelismo. Os ritmos são densos e narcóticos, acentuando o inusitado cocktail bíblico-roqueiro que evangeliza o ouvinte pela incineração.
Um enorme disco de uma enorme e perdida banda, Moon Blood ganha, actualmente, contornos de fanatismo no que concerne à sua edição original. Delícia para melómanos obsessivos (e cristãos propensos a romarias ácidas de quando em vez), o encanto hipnótico e denso de Sanc-Divided, Come Out of Her, Eye of the Hurricane, Sons Come to Birth e This Bird (Sky High) urge ser reavivado ad aeternum, pois nunca será ad nauseam. Prisms, Dawning Light e Intercessor's Blues são apêndices que completam a reedição do disco, surgida em 2010, e que não abanam, de forma alguma, os pilares que o sustentam.
Indubitavelmente um dos discos mais intensos, penetrantes e intoxicantes do rock americano pós-Woodstock, Moon Blood retém o espírito da era, mas aventura-se por labirintos sem medo de não encontrar a saída. Se a fé move montanhas, esta obscura e deslumbrante obra-prima comprova-o fervorosamente.