24 de outubro de 2009

Mr. Mojo Risin'

Desde há muito que as publicações musicais decidem acompanhar as suas edições de CD's gratuitos. Algumas não precisam, como a esmiuçante Record Collector; algumas fazem-no esporadicamente mas muito bem, como é o caso da Wire; outras fazem-no sistematicamente, como é o caso da Uncut ou da Mojo. A primeira já viu melhores dias neste campo, sendo que, há sensivelmente 8 ou 10 anos muitos adquiriam o pasquim pelo apêndice auditivo que oferecia. Infelizmente, de há uns anos a esta parte, a Uncut já não proporciona aos seus leitores a audição em primeira mão das obras que critica. Não obstante, continua a ser uma agradável revista musical, principalmente no que concerne à revisitação de bandas e discos mais antigos e na divulgação de nova e muito boa música feita em terras norte-americanas. Assim é também a Mojo, igualmente britânica, igualmente abrangente, igualmente interessada em divulgar certos artistas e determinadas obras de culto. Estas duas revistas constituem uma espécie de Bloco Central das publicações musicais, que se complementam uma à outra, mas que não exigem ser possuídas em conjunto. No entanto, e no que diz respeito a CD's ofertados ao comum melómano, a Mojo poderia ganhar aos pontos, se apresentasse amíude compilações da consistência e da qualidade que hoje decidi recuperar aqui. No relativamente recente mas igualmente remoto mês de Junho de 2003, esta revista ofereceu à borla uma das melhores compilações que alguma vez ouvi dedicada ao rock de garagem, a cena garage, surgida em meados dos anos 60, muito por culpa dos Rolling Stones e da sua aproximação branca e de fatiota aos blues. Instant Garage, como foi denominada, é uma autêntica Bíblia de referências nesta área. Ao contrário de, parafraseando o geriátrico José Saramago, ser um manual de maus costumes, esta Bíblia pura e simplesmente irrradia luz e júbilo sobre o ouvinte. Havendo quem pague (e bem) para adquirir algumas das rarídades de bandas aqui representadas, este disco grátis escancara magistralmente as portas para esta vertente musical tão rica e seminal. Muito do que se ouve nele é verdadeiramente raríssimo de encontrar, nomeadamente bandas como os Artesians ou os Brave New World, que tiveram existências curtas, resumidas a singles e a concertos dentro de portas nos seus E.U.A. natais. Pululam igualmente por aqui actos mais consagrados, mas embebidos no mesmo espírito rebelde, urgente e do it yourself, como os Modern Lovers e os Ramones, ou, em fase embrionária e crua, os Kinks e os Love.
Dos temas mais memoráveis desta colecção, realce para o genial I Had Too Much To Dream (Last Night) dos Electric Prunes, o sombrio e afectado My Daddy Walked In Darkness de Gil Bateman e o docemente doloroso Sometimes You Just Can't Win dos obscuros Mouse & The Traps. Destaque igualmente para o roufenho e primário Again & Again dos Iguanas, banda e bicho cujo baterista, James Osterberg, viria a homenagear na sua carreira a solo ao adoptar o nome Iggy Pop. De resto, que mais podemos dizer perante uma compilação que junta The Nazz (do excêntrico Todd Rundgren), MC5, Sonics e New York Dolls? Mais que um fim em si mesmo, esta colecção deve ser vista como ponto de partida para uma busca exaustiva das inúmeras bandas deste estilo, que lançou as raízes de movimentos marcantes como o punk e outros não tão marcantes como o psychobilly. A partir daqui, é provável e compreensível que se instale uma obsessiva-compulsiva febre de coleccionismo. Se houvesse uma nota a atribuir-lhe seria 18 valores. Se tivessem sido incluídos os 13th Floor Elevators e os Monks, seria justamente um disco merecedor de 20 valores. Gratuito, abrangente, enciclopédico e, acima de tudo, carregado de temas escaldantes, que mais se pode pedir? Se todas as revistas trouxessem discos assim, felizes seriam os humildes melómanos. A agarrar como se não houvesse amanhã, caso a estrela da fortuna brilhe e o encontrarem perdido por aí...


The Nazz - Open My Eyes (1968) por soulpatrol