23 de setembro de 2010

Electronic Bliss

O helénico nome de Alexis Georgopoulos esconde a identidade de um californiano. De um californiano fascinado pelas espirais planantes da electrónica germânica dos anos 70 e pelas ambiências widescreen de Brian Eno. Fascínio de consideráveis proporções, na medida em que o fez enveredar por um caminho solitário, deixando para trás os Tussle, interessante banda de São Francisco cuja sonoridade contempla de perto o krautrock e o dub. O resultado de tal transição chama-se Arp.
Profundamente imerso na abstracção da electrónica vintage e nos movimentos oceânicos dos Neu!, o projecto Arp transborda igualmente de luz solar. Como se a ancestralidade grega do seu criador injectasse o azul do Mar Egeu na formal rigidez alemã. O primeiro álbum, In Light, de 2007, é uma obra idílica e salpicada de sonho, tragando os ensinamentos de Eno e adicionando-lhes a elegância simples dos Cluster de finais de 70. Imagine-se Roedelius e Moebius, inspirados, em Amorgos ou Anafi. O resultado seria, decerto, algo como The Rising Sun. St. Tropez remete-nos, inevitavelmente, para o tema homónimo dos Pink Floyd e para o grandioso Meddle, o disco dos verões escapistas. Mas aqui são sintetizadores e não guitarras as gotas salgadas e o sol da manhã que nos tocam a pele. Fireflies on the Water devolve a lembrança das gloriosas colaborações entre Eno e os Cluster, especialmente o crepuscular After the Heat. A vastidão flutuante e expansiva de Odyssey revê as primeiras sinfonias siderais e as quedas no abismo electrónicas dos Kraftwerk e Conrad Schnitzler. Potentialities é uma delícia metronómica, um contínuo e vibrante pulsar, uma caixa de música que esconde vestígios dos Neu!. No saudável revivalismo da música electrónica alemã dos anos 70 que tem vindo a acontecer na última década, In Light é um ramo da árvore genealógica dos mestres.
Pouco mais (ou menos) se pode dizer do seu sucessor, o recentemente editado The Soft Wave, tirando o facto da luz parecer mais baça. Logo ao despontar, a belíssima Pastoral Symphony enche de júbilo qualquer amante de Brian Eno, Eroc, ou Cluster. Aliás, este tema podia figurar perfeitamente em Sowiesoso ou Grosses Wasser destes últimos, que não alteraria decerto a sua personalidade. White Light acrescenta um círculo de guitarra e baixo aos omnipresentes sintetizadores de primeira geração, vestindo-lhe uma suave roupagem dub. A cristalina Catch Wave traz a aragem de um piano, que nos empurra para a ponta de uma falésia e nos convida a olhar o mar. Summer Girl evoca outro colosso da sofisticação ambiental: o genial Another Green World de Brian Eno. E eis que o pai da música discreta desponta novamente na única peça em que se ouve a voz de Alexis Georgopoulos. É uma pastiche descarada de Emily de John Cale, cruzada com as atmosferas mais plácidas e outonais de Before and After Science. Até a guitarra soa a Robert Fripp. Dá pelo nome de From a Balcony Overlooking the Sea e é um sonho viciante para os meus ouvidos. Arrebatador!
Intui-se destas linhas que nada de novo se passa aqui. Errado. Esta música magistral continua tão fresca e rica, tão simples e tão bela, como no dia em que os seus influentes alquimistas a criaram. Chamemos-lhe passagem de testemunho. Chamemos a In Light um disco a amanhecer. Chamemos a The Soft Wave um disco a anoitecer. Chamemos-lhe o que quisermos, mas reconheçamos sempre que é deslumbrante.