21 de setembro de 2010

Tropicósmico

A música brasileira dos anos 70 está recheada de tesouros escondidos e selvas por desbravar. Os frutos do movimento Tropicália pendem, polposos e sumarentos, da frondosa vegetação artística de terras de Vera Cruz. Casos pontuais de génio:
A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado (Os Mutantes);
A Little More Blue (Caetano Veloso);
A Tábua de Esmeralda (Jorge Ben);
Clube da Esquina (Milton Nascimento e Lô Borges);
Paêbirú (Lula Cortês e Zé Ramalho);
Gita (Raúl Seixas);
Todos os Olhos (Tom Zé). Para além da música, este último merece atenção pela vetusta criação da sua icónica capa.
Nos meandros do colorido matagal desta época, um disco especialmente belo e encantatório é o álbum homónimo de Nelson Ângelo & Joyce, datado de 1972. O nome do duo pode avivar torturas auditivas como Sandy & Júnior ou Chitãozinho & Xororó, mas, afortunadamente, fica por aí. Esta música vem do interior, dos confins húmidos das matas, mas possui igualmente o doce embalo da bossa nova e a transcendência da folk psicadélica. Sobressaem os duetos, etéreos e mornos como a chuva de Verão. Um Gosto de Fruta é particularmente sublime, Mantra é delicadamente narcótico. Na toada tendencialmente acústica, o melhor instrumento é a voz de Joyce Moreno, suave e fluida, algures entre Astrud Gilberto e a Joni Mitchell sem nicotina. Hotel Universo é um aveludado sombrio para os nossos ouvidos.
Composto por canções breves, como raios de sol, como nuvens que passam, Nelson Ângelo & Joyce é evocativo das brisas pacíficas da west coast, das harmonias vocais de Crosby, Stills & Nash e do psicadelismo eremita, que comunga com a Natureza e volta costas ao betão. Detém o poder do ritmo vintage brasileiro em Tiro Cruzado e arrisca brilhantemente construções mais complexas como o belíssimo Vivo ou Morto. Sete Cachorros, cantado por Nelson Ângelo é uma pequena fatia de paraíso folk tropical, que Nick Drake poderia ter composto, numa canoa, no Amazonas. Tudo começa de Novo encerra o álbum, dolente balada que progride em lenta e ritualística combustão e que poderia ser um tema perdido dos primórdios dos Amon Düul. E é porque tudo começa de novo, que este belo disco pode ser o modo ideal de dizer adeus ao Verão que se aproxima do fim. Com nostalgia, mas sabendo que ele voltará.