3 de dezembro de 2010

Get your Kinks

O meu primeiro contacto com uma das melhores bandas de sempre estabeleceu-se com este disco. Essa banda, de nome Kinks, manteve-se até hoje entranhada nos meus ossos. O disco, The Kink Kronikles, continua a ser alvo de constante revisitação.
No seu período dourado, mais ou menos situado entre finais da década de 60 e princípios de 70, os Kinks obrearam e, por vezes, superaram Golias como os Beatles ou os Rolling Stones. Se, comercialmente, não foram tão bem sucedidos, ao nível de escrita e da composição apresentaram ao mundo um enorme artesão de canções, um génio irónico, sarcástico e acutilante chamado Ray Davies. O líder do quarteto londrino injectou na música popular um liricismo crítico, satírico, de ataque às instituições, ao poder, às desigualdades sociais. Ao contrário das tendências da época, que abraçavam, em larga medida, as temáticas boy meets girl ou as experiências com drogas, os Kinks falavam de novos-ricos, desemprego e alcoolismo, desancando forte e feio nos vícios e cinismos da sociedade britânica. Um quarto de século mais tarde, Damon Albarn e os seus Blur actualizaram este género de cantigas de escárnio e maldizer, maquilhando-as com o delírio jornalístico chamado Britpop. E fizeram-no muito bem.
The Kink Kronikles pode muito bem ser a compilação mais perfeitamente equilibrada dos Kinks. Originalmente editada em 1972, balança magistralmente grandes êxitos com temas mais obscuros, mas igualmente sólidos. E o segredo do seu encanto está, por exemplo, em misturar She's Got Everything com Get Back in the Line. Ou Sunny Afternoon com Mindless Child of Motherhood. Por todo o lado brotam canções sem as quais nenhum Kinksiano convicto consegue passar: Days, This is Where I Belong, Shangri-la e, da autoria do mano mais novo, Dave Davies, as magníficas Susannah's Still Alive e Death of a Clown.
A compilação foi lançada primordialmente (e em exclusivo) no mercado norte-americano. Sabendo como a maioria do público dessas paragens é conservador e convencional, não deixa de ser admirável a proliferação de composições tremendamente arreigadas na tradição britânica, plenas de recados subliminares e de subtil, mas viperino, humor. Waterloo Sunset, The Village Green Preservation Society ou Holiday in Waikiki são tão inglesas como um Gammon Steak ou uma pint de Old Speckled Hen. Mas resultam em qualquer parte do mundo, pois os alicerces da música são inabaláveis e a qualidade intocável. Como no caso de Lola. A aventura de um jovem rapaz provinciano no Soho, seduzido por uma misteriosa senhora. A história completa segue dentro de momentos...
Para terminar, muito se tem falado no mais recente disco de Ray Davies, que congrega várias personalidades, dos Metallica a Jackson Browne, em novas versões de velhinhos temas dos Kinks. Tem a sua piada, mas nada bate belíssimas e marcantes obras como The Kink Kronikles. Em suma, respeitemos eternamente o homem, mas devoremos essencialmente o original.