13 de dezembro de 2010

Kosmische Kosmetik XIX

Os Annexus Quam são mais um dos imensos enigmas que povoam a galáxia do krautrock. Assim como emergiram, da periferia de Düsseldörf, eclipsaram-se sem deixar outro rasto que não dois discos de culto da música alemã mais arrojada e inovadora. E o destaque óbvio vai para o primeiro álbum, Osmose, de 1970.
Osmose é um conjunto de quatro temas que partilham o mesmo título, mas que não se ramificam nem interligam. A sensação que perdura é a de um disco de jazz alucinogéneo, esquartejado por golpes de psicadelismo e de um rock transfigurado. Imagine-se o espírito de Ummagumma ou Atom Earth Mother dos Pink Floyd conjurado em terras germânicas, bafejado pela chama criativa do krautrock e projectado para fora da órbita terrestre.
A espaços sinistro, denso e meditativo, Osmose I irrompe como se da lama se erguesse, todo ele guitarras viscosas e pesadas, ritmo lento mas forte e sopros sombrios. A segunda parte vira completamente o bico ao prego, revelando tendências ritualísticas, batuques tribais e vozes em êxtase flutuante. As influências africanas são notórias e o ritmo não pára de fervilhar, entranhando-se com sedutora precisão. Fogueiras nocturnas e figuras em dança frenética parecem completar o cenário.
Osmose III reencontra-se com a serenidade e apodera-se aos poucos da nossa resistência. O torpor jazzístico e o transe psicadélico vergam qualquer inibição ao puro prazer que a música transparece. Este é um daqueles temas em que os próprios músicos parecem estar tão relaxados que só nos resta seguir-lhes o trilho. Acendam-se velas ou liberte-se lentamente incenso e a mente viajará. Enfim, uma suave e gloriosa freakalhada...
A música engrossa ao chegar à quarta parte. Um piano em tons menores é o prelúdio a um exercício inteligente e bem doseado, um groove sinfónico possuído pelo jazz. Ecoam novamente cânticos livres de palavras e um trémulo improviso instala-se aos soluços até arrebatar o tema e o arrastar para áreas limítrofes. Eis que a sensação de gozo dá lugar a um caleidoscópio lentamente estilhaçado em que instrumentos serpenteiam em todas as direcções. Pelo meio, interjeições de música concreta entrecruzam-se com excertos adulterados de um Concierto de Aranjuez que juntam os fantasmas de Rodrígo e Miles Davis. É neste pandemónio sensorial que a osmose se revela em pleno.
Paradigma de uma época e de um estilo que caminhava para a flor da idade, o primeiro álbum dos Annexus Quam é uma curiosa relíquia de música irreverente e livre. O jazz e o rock são os condimentos principais, mas o que fica no ouvido é a aventura avant-garde descomprometida que estes alemães tiveram o prazer e a habilidade de produzir.