21 de dezembro de 2014

Parque Jurássico

Para os detractores, o rock progressivo será sempre a versão musical de um dinossauro fossilizado. Para os entusiastas, um pináculo de criatividade e virtuosismo que enobreceu um género sempre considerado plebeu. Nesta guerra nem sempre fria, poucas são as obras que os aproximam e permitem tréguas e consensos.
Close to the Edge, o quinto álbum dos Yes, será uma das honrosas excepções. Na ressaca de um belíssimo, arrojado e bem sucedido disco - Fragile - o colectivo britânico decidiu puxar mais ainda dos galões e expandir até ao limite as características cheias e complexas da sua sonoridade. As tendências épicas que pontuavam episodicamente os registos anteriores, florescem totalmente neste disco de 1972. O tema-título, que lhe serve de abertura, inspirou-se em Siddartha, a imortal obra de auto-descoberta de Hermann Hesse. Um início intenso, algures entre o afogamento e a libertação, dividido em quatro partes, em que razão e emoção se entrechocam num contínuo deslumbrante, pejado de inflexões melódicas e intervenções instrumentais improváveis. O recente membro Rick Wakeman revela-se fulcral na entrega poderosa dos teclados, tão clássicos quando ouvidos pela enésima vez, porém tão quentes e austeros como o ritual iniciático em que sempre se quis participar.
Ao longo dos seus quatro movimentos, Close to the Edge condensa a estética do melhor rock progressivo: A construção musical que, numa escuta superficial, parece fruto de improviso, mas que revela um rigor interactivo e uma complexidade composicional a quem penetra abaixo da sua superfície; a capacidade de induzir diferentes estados de emoção ao longo das melodias que fluem, transformam-se e tombam em cascata. Caminhos, atalhos e paragens que fazem uma auto-descoberta musical.
Steve Howe parece afinar a sua guitarra no início de  And You And I. Apenas dá o mote para uma das mais belas criações do rock progressivo. Se o tema antecedente soa a viagem de reconhecimento interior, a sua resolução soa ao fechar de um círculo, entre o recato meditativo e a alegria transbordante da renovação. Igualmente dividido em quatro partes, a sua ressonância é esmagadora, oscilando entre a filigrana e as sombras. É, talvez, a melhor e mais sentida prestação vocal de sempre de Jon Anderson e o mellotron de Rick Wakeman eleva a nossa alma a um estado majestoso durante o tempo que ecoa. Poucas vezes o rock, progressivo ou não, brilhou com tanta intensidade.
Siberian Khatru encerra o álbum em regime menos etéreo e quase dançante, uma espécie de funk cósmico com guitarra muito bem temperada. A maior agressividade da entrega escurece o disco, mas a tonalidade espiritual mantém-se, bem como a vastidão sonora e a miríade de ideias que dele transbordam, tornando-o a obra maior da discografia dos Yes. Mesmo sabendo que, a partir daqui, a carreira do grupo entrou em declínio, este é o disco que congrega ao seu redor gregos e troianos.
Em reedições sucessivas, Close to the Edge tem beneficiado de melhor tratamento em termos de produção e o acréscimo de alguns extras, que não são imprescindíveis mas que contribuem para a sua mística. Louvável é o realce para o que o disco tem de melhor e que assenta primordialmente na riqueza dos detalhes. Mais que merecido para a obra-prima intemporal que constitui.