27 de fevereiro de 2017

Folk Púrpura

O primeiro e único álbum dos Fuchsia é um dos tesouros mais recônditos da folk progressiva britânica da década de 70. Esta pérola obscura é puro deleite para ouvidos ávidos das paisagens mais desviantes e psicadélicas pelos quais a música tradicional inglesa enveredou durante esse período. Praticamente ignorado aquando do seu lançamento em 1971, Fuchsia ganhou ao longo do tempo o merecido estatuto de álbum de culto.
O grupo, formado por estudantes da Universidade de Exeter, praticava uma sonoridade dominada por instrumentos tradicionais, mas em que a energia imperava e que revestia a música de uma contagiante intensidade.
Gone With The Mouse, canção que abre esta obra homónima, é um belíssimo exercício de folk ácida, na qual as vozes de Tony Durant e das três vocalistas femininas que dividem a tarefa juntamente com as cordas oscilam entre a luz e as sombras. Os magníficos arranjos orquestrais que envolvem o tema conferem-lhe igualmente um pendor austero, quase gótico. Trata-se, sem dúvida, de uma magistral carta de apresentação.
A Tiny Book mantém o registo fragmentado e progressivo, alternando momentos bucólicos com cavalgadas rítmicas e ornamentos de cordas, em constante território arty. Se alguma vez existiu algo próximo de um groove pastoral, Another Nail enquadra-se perfeitamente na descrição. Baixo e bateria propulsantes aliam-se a cordas eloquentes para uma jornada galopante por campos verdejantes.
Esta tendência continua em Shoes and Ships, porém mais contida. O galope dá lugar ao trote embalador de violinos e violoncelos que complementam a simplicidade de uma guitarra acústica.
The Nothing Song constitui, decididamente, o momento mais psicadélico do disco. A atmosfera geral é escura e contaminada por uma relativa dose de loucura. O tema vagueia e serpenteia, aparentemente sem destino, como um círculo que procura fechar-se sem nunca o conseguir. Segue-se o momento mais despojado do álbum, em Me And My Kite. Na sua simplicidade espartana e quase infantil, o mesmo traz reminiscências das experiências a solo de Syd Barrett, prévios à sua queda definitiva no abismo lisérgico. Just Anyone regressa aos domínios do rock e fecha o disco com a mesma intensidade emotiva do tema inicial.
No contexto da era em que foi editado, Fuchsia é um dos melhores e mais aconselháveis exemplos da folk desviante. É uma obra envolvente e plena de momentos que variam entre o hipnótico e o endiabrado. Nos dias de hoje, em que os tempos são mais cínicos, torna-se complicado apreender um disco como este com total despojamento. Quem guardar dentro de si alguma réstia de sonho e alguma abertura para a fantasia, que o procure.