O flautista e compositor Bob Downes assumiu-se como uma das figuras mais criativas e inovadoras da cena jazz britânica, projectando a sua sombra numa miríade de contribuições em variados estilos contaminados por este género, que vão da música clássica contemporânea ao rock e à livre improvisação.
O artista de Plymouth foi um dos nomes sonantes e indissociáveis da revolução jazzística ocorrida na Europa nos finais dos anos 60 e que emancipou em definitivo o Velho Continente de décadas de influência e domínio norte-americanos.
Bob Downes participou como músico de estúdio em inúmeras obras seminais gravadas durante esse período dourado. As suas actividades foram, amiúde, executadas sob a égide da baptizada Open Music, entidade transmutável de trio a big band e que, como a denominação sugere, se encontrava livre de quaisquer restrições ou amarras estilísticas.
Após gravar algumas obras para editoras mais voltadas para o mainstream, Downes arriscou a criação da sua própria editora, chamada Openian Records, na qual principiou o lançamento dos seus projectos, sendo um dos primeiros músicos deste período a avançar com tal empreitada. O álbum de 1970 intitulado Electric City, trabalho curioso, bizarro e, a espaços, genial, apresenta o compositor como um artífice do jazz rock, criando peças curtas, carregadas de energia e ornadas por arranjos intrincados.
A lista dos músicos participantes neste festim é capaz de fazer salivar os amantes do género à época, apresentando sumidades como os trompetistas Ian Carr e Kenny Wheeler, o baixista Harry Miller e o prodigioso guitarrista Chris Spedding. A música é constantemente brilhante e cativante, sugerindo um bulício urbano e nocturno, e as performances virtuosas constituem amplas expressões das várias correntes sonoras que circulam sem restrições pelo disco. Grooves rechonchudos como Crush Hour, inflexões abrasivas pelo rhythm'n'blues como Walking e frescos cinemáticos como o fantástico Dawn Until Dawn são exemplos flagrantes da versatilidade e ecletismo de Electric City. O ritmo quente e propulsante de Keep of the Glass não destoaria de uma película blaxploitation. Gonna Take a Journey termina o álbum atirando todos os elementos para um caldeirão, enaltecendo um fundo free jazz sem freios com motivos vocais - coisa rara e estranha neste tipo de obras.
Bob Downes continuaria a criar música interessante e continuamente diferente, mas nunca nada similar a esta pérola frenética, a qual continua a ser uma porta de entrada perfeita para o seu mundo singular e um pequeno objecto sónico não-identificado no jazz disruptivo que despontou na Inglaterra e na Europa nas décadas de 60 e 70.