10 de novembro de 2018

A Marca Amarela VIII


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No final da audição do álbum homónimo (e única obra gravada em estúdio) dos japoneses Shingetsu, é impossível não perguntar "porquê só isto?"
Este disco de 1979 constitui, não apenas uma das obras mais marcantes do rock progressivo nipónico, mas de todo o universo do género. Pese embora não enveredar pelos caminhos mais experimentais e vanguardistas dos Van der Graaf Generator ou dos King Crimson, o colectivo liderado pelo vocalista Makoto Kitayama, Shingetsu guarda um relicário de belas e transcendentes melodias, em constante estado de mutação. Mais próximo do apogeu criativo dos Genesis (não é à toa que Makoto Kitayama é alcunhado de Peter Gabriel japonês), o disco exibe igualmente um certo exotismo oriental barroco em termos instrumentais, que o afasta das convenções e o transforma num objecto singular e numa autêntica delícia para os ouvidos.
Oni e Return of the Night, peças que abrem e fecham o álbum - e que, em última instância, se complementam - são possuídas por uma complexa e cristalina melancolia, acentuada pela voz etérea de Makoto Kitayama. A primeira é a verdadeira obra-prima e trave-mestra de Shingetsu, espraiando-se ao longo de quase dez minutos como uma onda de luz e sombras num intermitente e deleitoso duelo entre a guitarra sinuosa de Harukiko Tsuda e as teclas assertivas de Akira Hanamoto. Uma viagem levitante e cósmica, tão envolvente quanto estimulante, e que, sabiamente, é recuperada no final do disco para encerrar um círculo perfeito com uma guitarra em estado de graça.
The Other Side of Morning poderia ter sido um single arrojado, uma canção magnífica, que, mesmo sem refrão, emana luminosidade da sua doce melodia folk e da vocalização perfeita, como um lento nascer do Sol, cujo calor nos persegue o corpo à medida que cresce no céu. Influential Street inflecte igualmente por territórios mais exuberantes e harmoniosos, num cativante exercício que poderia ser apelidado glam prog.
A estética mais elaborada retorna em Afternoon (After the Rain), que acrescenta um oportuno saxofone à excelente base melódica, e prolonga-se em Fragments of the Dawn, peça de toada mais contemplativa, mas movida pela incessante criatividade e mestria instrumental da banda.
Após um breve e estranhamente ominoso interlúdio intitulado Freeze, surge Night Collector, que carrega no acelerador do rock sem nunca abandonar a estrada meândrica do prog, debitando inflexões rítmicas e melódicas com assombrosa destreza.
Em português, Shingetsu significa lua nova. A fase em que a Lua se encontra entre a Terra e o Sol. Não é visível a olho nú, mas sabemos que lá está. É igualmente bom saber que, não obstante os Shingetsu já não existirem, este belíssimo legado continua ao nosso alcance, para perpétuo encanto e deleite.