Aquando da entrada da voz em Northern Seaside, é impossível não fantasiar que Ian Curtis está vivo. E que reuniu um grupo de músicos russos em Rostov-on-Don para perpetuar a sua melancolia cinzenta e crónica. Todavia, à medida que o tema se espraia, a voz é envolvida por uma candura instrumental, cuja luminosidade coloca o desespero em segundo plano e deixa-o à espreita no escuro, por uma porta entreaberta. A voz é de Vladislav Parshin, a banda dá pelo nome de Motorama e este é Alps, o seu primeiro longa-duração.
Editado em 2010, o álbum é uma curiosa e interessante manifestação da música actual feita na Rússia, sendo que, para ouvidos incautos, passaria bem por um produto artístico britânico ou norte-americano.
A influência dos Joy Division é mais que notória, nomeadamente ao nível da já referida voz, mas igualmente das estruturas rítmicas bateria-baixo, que invocam constantemente o apelo à dança maquinal e descarnada de Morris-Hook. Contudo, o duo de guitarras formado pelo igualmente vocalista Vladislav Parshin e por Maxim Polivanov transporta as composições além do negrume pessimista do post-punk - corrente musical que constitui a raíz da banda - e torna-as mais expansivas, algures entre os Interpol menos austeros e o neo-psicadelismo outonal dos Church da década de 80.
A prova deste chiaroscuro está patente nos dois melhores temas do disco. Warm Eyelids é irresistível, imbuído da adolescência em crise do melhor indie rock, trespassado por guitarras afiadas e certeiras, ritmo frenético e urgência romântica. Wind In Her Hair é uma brisa melancólica, conduzida por guitarras cristalinas e oníricas, como uns Byrds renascidos nas praias do Mar Negro.
O que fica dos restantes temas de Alps é um trabalho de uniforme consistência e extrema meticulosidade, onde as guitarras seduzem e as melodias arrebatam sem tréguas. Fica sempre a ideia que já ouvimos isto nalgum lado, do andamento agridoce do tema-título ao cativante embalo de Empty Bed. Porém, a frescura da entrega e a qualidade composicional fazem-nos sentir aconchegados como na chegada a uma casa que sempre conhecemos mas nunca visitámos. O imaginário dos Motorama é um filme a preto e branco com algumas cenas pintadas a cores. Impele-nos à dança, impele-nos à introspecção, impele-nos a ambas em simultâneo. Em 2018, assinaram o seu quinto álbum, Many Nights. A fórmula criativa tem sido mantida, sem grandes alterações a registar. Os Motorama não conquistarão o mundo, mas parecem contentes em conquistar os corações de eternos adolescentes, que vagueiam, melancólicos, debaixo do Sol.