30 de julho de 2012

United States of Mind

Detentores de um dos nomes mais improváveis para uma banda, os United States of America foram um subtil mas terapêutico alfinete na acunpuctura músical dos anos 60. A curta existência do projecto (entre 1967 e 1969) deixou apenas um disco como legado, um registo homónimo cuja redescoberta é não menos que fascinante.
Apesar do nome, The United States of America não é uma cartilha de louvaminhices à terra dos livres e lar dos bravos. É um disco de incrível arrojo estético e de crítica social sarcástica e certeira, que continua a manter uma frescura invejável. Concebida e parida sob o sol da Califórnia em 1968, a obra explora, corta e cose estilos tão díspares como o rock psicadélico, o modernismo de Charles Ives e a electrónica embrionária. É essa electrónica, ainda estranha e alieníngena à maior parte dos ouvidos da altura, que se imiscui na música, desfigurando os instrumentos e processando a voz. Uma espécie de samplagem pré-histórica, feita de arcaísmos musicais americanos espreita nalguns temas e o todo é um naco suculento de experimentalismo vanguardista dado a comer ao rock. Tome-se o tema de abertura, The American Metaphysical Circus, como exemplo perfeito e súmula do que se segue. A paleta de sons mistura cores improváveis, o arcaboiço lisérgico é impossível de derrubar. A conquista definitiva dá-se com Hard Coming Love, certamente um dos singles mais marginais de 1968, mas uma canção magnífica. A melodia catchy, intercalada com a bizarria dos efeitos, transforma-a num verdadeiro clássico do futuro. Dorothy Moskowitz, a vocalista, aguenta-se durante todo o disco como o elo de ligação de toda a estranheza envolvente, o eixo à volta do qual um tornado musical serpenteia. Da placidez acalentadora de Cloud Song à corrupção psicadélica de The Garden of Earthly Delights, a versatilidade prevalece. Soa a Grace Slick, por vezes, mas a entrega amiúde contida e distante aproxima-a igualmente de Nico. E, com a devida distância territorial e cultural, não será descabido considerar os U.S. of A. os Velvet Underground angelenos...
Joseph Byrd, a mente impulsionadora do projecto, estudou em Nova York com John Cage, privou com Yoko Ono e aspirou grandes quantidades do perfume transgressor da música vanguardista e experimental da cidade que nunca dorme. As suas aspirações obtiveram eco genial neste disco. São dele as manipulações electrónicas e a parafernália de sons inusitados. É tarefa árdua destacar momentos isolados nesta obra tão louca mas tão lúcida, mas é igualmente impossível não mencionar o brilhantismo de Love Song for Dead Che (e suas óbvias conotações), Where is Yesterday e a tripartida odisseia sónica de The American Way of Love.
Aos dez temas originais do disco, foram acrescentados outros dez, na sua reedição de 2004. A sobremesa ideal para o prato principal que a antecedeu. Raras vezes o nome United States of America esteve associado a algo tão popularmente erudito e pouco conservador. Os campos férteis de muitas ideias da música popular contemporânea começaram a ser semeados aqui.

19 de julho de 2012

Suave Bulício

Realizado por Andy Warhol em 1966, The Velvet Underground and Nico: A Symphony of Sound retrata com singeleza os primeiros tempos da lendária banda nova-iorquina. O filme exibe uma improvisação que se estende por mais de uma hora, inteiramente instrumental, desbragadamente solta. A captação de um ensaio, feito para posterior exibição em écran gigante e som ensurdecedor, certamente num dos happenings muito contra-culturais dos sixties na Big Apple. O núcleo duro do grupo surge acompanhado pela diva temporária Nico e o seu filho Ari, a quem foram entregues umas maracas para se entreter e que contribui bastante para a atmosfera comunal do registo.
O cenário em que tudo se desenlaça é, obviamente, a Factory, o laboratório artístico criado por Andy Warhol, que funcionava igualmente como ponto de paragem de artistas no geral e da máfia warholiana em particular. A película é uma típica obra de Warhol, homem que filmava como pintava: tão artesanal como inovadora, minimal e sensorial. No final, numa pitada de hiper-realismo, entra em cena a polícia, alertada pelo excesso de barulho...
A Symphony of Sound é, acima de tudo, uma curiosidade histórica que capta liminarmente a fase em que os Velvets andaram de mãos dadas com Drella. Pouco tempo depois, chegaria um disco com uma banana na capa que revolucionaria a história da música do século XX. O tal disco que, emulando uma frase atribuída a Brian Eno, só vendeu 10000 cópias, mas quem o comprou formou uma banda...