29 de setembro de 2013

Saeta Cósmica


De Espanha nem bom vento nem bom casamento, aprendemos a ouvir desde tenra idade. Este, tal como tantos outros aforismos, é vazio de fundamento. Não que uma invasão tentada e outra consumada nos devesse poupar a uma latente desconfiança de  nuestros hermanos, mas sim por via desse elemento agregador e apaziguador que é a música. Se a Espanha tem muito a responder pela dúbia qualidade artística de muita invasão musical a este território, outros há que raramente são divulgados e mereciam toda a nossa hospitalidade. 
O projecto Neuronium, criação do belga tornado catalão Michel Huygen, é considerado o primeiro embrião da música cósmica feita em terras espanholas. A operar desde 1976, é no seu primeiro álbum que encontramos, desde logo, a melhor cepa de uma discografia que já ultrapassa os 40 títulos. E se Huygen se deixou seduzir por paisagens mais aprazíveis ao ouvido logo nos inícios dos anos 80, a obra que o dá a conhecer é um objecto mágico de electrónica espacial e ambiental. 
Quasar 2C361, editado em 1977, sofre as óbvias influências dos grandes nomes da electrónica europeia da época, nomeadamente Tangerine Dream e Klaus Schulze, mas também da sensibilidade melódica de Eroc e do misticismo dos Popol Vuh. Apesar disso, apresenta um grau de frescura e personalidade bem vincados e que o tornam um objecto imprescindível na história do género. 
Para além de Huygen, participam no disco o segundo teclista Carlos Guirao e o guitarrista Alberto Giménez, cujo estilo não se afasta muito dos grooves siderais do grande mestre Manuel Göttsching. O que deles emana, ao longo de quatro extensos temas, é um soberbo exercício de música sem gravidade e suspensa num tempo sem medição. O tema-título, que abre o disco, imiscui uma guitarra acústica à poeira cósmica dos sintetizadores e resulta numa espécie de flamenco lento e em rotação. Uma flauta aproxima-a dos prazeres terrenos. Uma invasão de sintetizadores logo a puxa para junto das estrelas. 
Catalepsia deixa-nos a pairar sobre outro mundo, novo e admirável, imutável em ondas sintetizadas, caleidoscópico na guitarra que o colora repetidamente. El Valle de Rimac assemelha-se a um despontar solar visto de uma imensidão negra, uma lenta e esplendorosa ascenção, de melodia tão doce quão misteriosa. Turo Park acentua a beleza fria e majestosa do disco, num crescendo luminoso e gélido, como aquele que se encontra nos elementos cósmicos desprovidos de vida mas hipnóticos de cor e forma. Tudo termina com vozes de crianças a ecoar ao longe, como sempre, a epítome das possibilidades futuras.
Quasar 2C361 sofre de uma produção rudimentar, fruto das limitações da sua era, mas isso não lhe tira o charme, a graça e a intencionalidade. Independentemente do estilo é um objecto único na música espanhola, que nunca passará do culto, mas que pode trazer delícias a todos os que navegarem a bordo deste galeão cósmico.