18 de março de 2012

Kosmische Kosmetik XXXV

O septeto Cornucopia, proveniente de Hamburgo, é mais um caso exemplar dos anos de ouro do underground teutónico. Após a edição do seu único álbum, Full Horn, em 1973, a banda desvaneceu-se em parte incerta e foi apenas retirada da teia de aranha das memórias em 2002, ano da reedição da pérola solitária que legaram.
Full Horn não surpreenderá os connaisseurs do krautrock. Mas atraí-los-à. Levitando entre o caótico, o esquisito e a fusão, desmembra-se em quatro capítulos que incorporam rock psicadélico, influxos jazzísticos e grooves à moda de Zappa. Entretém o cérebro e foge do aborrecimento como o Diabo da cruz.
Day of a Day-Dream Believer abre o disco de forma imponente. Um delírio esquartejado em nove partes, deambulando entre o maníaco, o excessivo e as retiradas introspectivas. Um must para os amantes de bizarrias sónicas. Contrastando radicalmente com este enorme zeppelin inflamado, segue-se Morning Sun. Curto e directo, evoca a ideia de alemães a passar férias nas praias da Califórnia e cheira a single que nunca saiu das sombras. Spot on You, Kids lança-nos novamente em órbita, num azimute perfeito entre o krautrock de denominação de origem controlada e os floreados imprevisíveis de uns Mothers of Invention. É um doce cataclismo que se abate sobre nós, fustigando-nos com uma mão e acariciando-nos com a outra. And the Madness... irrompe e fecha o disco da forma mais alucinante possível. Um exercício surreal de corte e colagem que, a meio caminho, se transforma num cortejo elegíaco.
Full Horn é mais um disco voador do seu tempo. Um tempo sem restrições criativas e barreiras conceptuais. Tempo da Alemanha que se emancipava como entidade capaz de passar o rock pela picadora e transformá-lo numa linguagem única na sua visão mas num esperanto musical acessível aos aliados do seu progresso.

14 de março de 2012

... Explicit Content

É impossível falar de stand-up comedy sem falar de Bill Hicks. Especialmente quando nomes que ainda mexem, como o anteriormente falado Denis Leary, lhe devem tanto (No caso de Leary, até demasiado, pois rezam algumas crónicas que este roubou muitas das suas ideias a Hicks - coisa feia no mundo da comédia...).
Bill Hicks foi único e um marco na sua geração. Para além dos lendários espectáculos ao vivo, deixou vários registos discográficos imperdíveis como Dangerous ou Relentless. Morreu no pico dos seus poderes em 1993, com apenas 32 anos, deixando para a posteridade outras duas gravações imprescindíveis: Arizona Bay e Rant in E-Minor, às quais a música adicionada veio acentuar ainda mais a força das palavras.
Hicks revolucionou o modo de fazer comédia. Deixou de ser apenas um tipo a debitar piadas em frente de uma audiência, para passar a interagir directamente com ela e torná-la parte integrante das suas actuações. Dizia as verdades que ninguém queria ouvir e punha o dedo nas feridas mais incómodas. Não é à toa que lhe chamaram The First Rock n' Roll Comic. O registo que se segue, intitulado Revelations, não será o melhor de Hicks. Também não será o pior, pois rareiam momentos maus. Trata-se do seu último espectáculo em Inglaterra, quando já padecia da doença que o vitimou, mas que não lhe tirou o génio e a mordacidade. Comédia, à séria.

Parental Advisory...

Tal como em todas as artes, existe igualmente humor intemporal. Aquele que se inspira nos imutáveis ridículos, fraquezas e idiossincracias do ser humano e que assenta que nem uma luva em tempos agrestes como o que nos coube suportar actualmente. Humor negro para tempos negros, é isso que podemos encontrar na obra do norte-americano Denis Leary. Homem dos sete ofícios no que toca às câmaras, Leary alicerçou a sua notoriedade pelos controversos e bombásticos espectáculos de stand-up comedy. Não poupando nada nem ninguém à sua visão sardónica e corrosiva do mundo em geral e da sociedade americana em particular, performances como No Cure for Cancer ainda arrancam risos escandalizados. Quem conseguir, que conte o número de cigarros fumados e cervejas ingeridas durante esta actuação, simultaneamente temas e adereços usados por Leary enquanto arrasa com o politicamente correcto qual bulldozer desgovernado.
No Cure for Cancer data de 1993 e foi editado em filme, livro e disco. Um improvável caso de sucesso tendo em conta o teor da mensagem e que, apesar de um pouco datado nesta ou naquela piada, ainda é capaz de convencer as mentes mais taciturnas, deste que sejam abertas...

13 de março de 2012

Som Só


A presença flutuante de Nick Drake assemelha-se a uma vela sozinha no escuro, cuja chama tremeluzente nunca se extingue. A morte visitou-o prematuramente, aos 26 anos, ceifando uma existência frágil e hermética, mas cujo testamento artístico foi monumental.
Em três dos discos mais belos, melancólicos e solitários que a Humanidade já conheceu, Nick Drake tornou-se o trovador do isolamento, cortando laços com o mundo exterior para conviver com o silêncio dos bosques e o murmúrio do vento, deambulando em autismo musical pelos trilhos de um Outono perpétuo. Five Leaves Left, Bryter Layter e Pink Moon são o arquétipo da folk mágica e romântica, uma música que arrebata pela beleza triste e pela simplicidade elegante. Ao longo destas três obras, assistimos ao desabrochamento, ao florescimento e à murchidão de um artista de enorme talento mas parcas capacidades de lidar com ele e fazê-lo singrar. Avesso a entrevistas, concertos e demais aparições em público, o reclusivo Drake quis apenas ficar a observar o mundo da janela, mas as suas sensíveis criações tornaram-se parte do mundo de muita gente.
Em A Skin Too Few: The Days of Nick Drake, o holandês Jeroen Berkvens conseguiu um fiel retrato do mítico músico britânico. Este documentário de 2002 traça o seu percurso pessoal e artístico, sustentando-se em depoimentos de familiares, amigos e companheiros de armas musicais. Até hoje, continua a ser imbatível e um precioso artefacto para juntar aos demais que lhe são dedicados. Escusado será dizer que o culto é imortal...