25 de fevereiro de 2014

Loucura Controlada

Thank God for Mental Illness é o terceiro registo editado pelos Brian Jonestown Massacre no ano de 1996. É igualmente a mais consistente de todas as obras da banda até essa data, aquela em que uma certa errância artística, charmosa mas auto-indulgente, dá lugar a maior enfoque e nervo.
A obsessão pelo som psicadélico dos anos 60 continua a fazer-se sentir, bem como inflexões pronunciadas pelos sons de garagem, mas com eles coexiste uma certa sensibilidade indie rock que aproxima mais a banda da modernidade. Um cocktail forte e colorido, que translada na perfeição o espírito dos sixties para os nineties e sem o polimento excessivo aplicado por uma certa facção da britpop.
Começando pelo fim, Thank God for Mental Illness termina audaciosamente com uma peça que ultrapassa os trinta minutos de duração. Chama-se Sound of Confusion e une cinco temas intercalados por sons urbanos, pregações de rua e outros ruídos voadores não-identificados. É o momento em que a banda de São Francisco soa mais progressista e desafiante, mas sem invenções desnecessárias. Para trás ficou um oceano de vibrações oscilantes e influências irrepreensíveis.
Spanish Bee dá início ao álbum em regime de flamenco lisérgico, temperado a Farfisa ensimesmado e enaltecido por tambores intrusivos; Ballad of Jim Jones emana uma aura dylanesca evidente; It Girl, 13 e Talk - Action = Shit comprovam a influência dos Rolling Stones na música dos californianos. Especialmente os Stones de Aftermath e Between the Buttons, momentos de inspiração maior na sua épica carreira. Country e blues contaminam These Memories e Free and Easy, Take 2. Há ainda espaço para baladas, de despojamento outonal em Stars, de psicadelismo sombreado em Down.
Thank God for Mental Illness é uma obra condenada a ser eternamente excitante e revigorante. Rezam as crónicas que custou menos de 20 dólares a produzir e que foi todo gravado no mesmo dia. Verdade ou não, certo é que discos como este são raridades cada vez maiores na indústria musical que mede tudo a régua e esquadro. Pode tresandar a revivalismo, mas é um manifesto de liberdade com certificado de autenticidade.

20 de fevereiro de 2014

Cisnes Negros


https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjm5ZGossN-U6m_IbmdXEsnojgOQ0fe80JY7u3pQJtw_bxRbQza4Nkk5JWMjtpDOcFg4yr9_jWX_onH_1B8Ql4Wx9QiHgFjCdqY_KXFQk4bqdBW78WUdB52nY9intEJkRtJWEeKJfI7U6s/s1600/%5BAllCDCovers%5D_swans_children_of_god_1990_retail_cd-front.jpgChildren of God é uma primeira mas ilusória acalmia em relação ao niilismo apocalíptico que os Swans reflectiam nos primórdios. O negrume abrasivo, pesado e denso dos quatro primeiros álbuns da banda nova-iorquina granjeou-lhes um culto underground e tratou de afastar sem contemplações quem não estivesse à altura de saborear sons tão misantropos. Em última instância, esta tetralogia é uma sátira terrorista e extrema, que fustiga o capitalismo, o poder corporativo, a polícia e outros cancros sociais aos olhos dos Swans e, principalmente, do seu líder Michael Gira.
Editado em 1987, Children of God é mais sombrio que agressivo e mais sedutor que repulsivo. A religião (ou a sua dessacralização) é a temática mais visada no álbum e as atmosferas ritualistas e tribais são a única herança das obras passadas. Os Swans expandem-se e suavizam-se sem nunca perderem a intensidade e a capacidade de inquietar e provocar. O trespassante New Mind abre o disco com ritmos marciais e mostra um Michael Gira mais barítono cavernoso que o gritador irado que predominava anteriormente. The sex in your soul will damn you to hell, anuncia ele, e a música que envolve a pregação é a mais expansiva que o seu grupo arquitectou até à data.
A massa industrial que pontuava o som dos Swans dissipa-se em sombras góticas ao longo de Children of God. Como se um filme gore se transformasse em thriller psicológico. Jarboe torna-se peça fulcral no xadrez da banda e divide com Gira as vocalizações. In My Garden merece óbvio destaque, com a voz da cantora a brotar como orvalho de um labirinto de vegetação morta. A mesma voz que surge, trágica e ominosa em Blood and Honey e cristalina como uma mortalha em Blackmail.
Outro interessante e importante passo em frente é a inclusão proeminente de instrumentos acústicos, que vão da guitarra aos sopros, e que projectam os Swans em ritos neofolk muito em voga na Europa via Death in June ou Current 93. As seis cordas arrastadas de Real Love e o oboé taciturno que serve de entrada ao pungente Trust Me são claros exemplos da expansão que o grupo empreende. Graciosamente, mas sem facilitismos. Porque do outro lado do espelho escondem-se atavismos poderosos e corruptores como Blind Love ou Sex, God, Sex.
Children of God pode não ser o melhor trabalho dos Swans, mas é o mais importante. É uma obra que lançou sementes evolutivas e que se assume como eterno azimute para um grupo que vive no presente um constante estado de graça. Um disco com bolinha no canto superior direito para as mentalidades mais sensíveis (tacanhas).

12 de fevereiro de 2014

Antro de Luxo



http://www.tribute.ca/tribute_objects/images/movies/CBGB/CBGB.jpg

CBGB, o filme, conta a história do lendário clube e bar que ajudou a gestar e parir o movimento punk em Nova York. Uma espelunca meio esconsa, no coração da mal-afamada Bowery dos anos 70, e gerida por um idealista chamado Hilly Kristal. A história deste homem, desde sempre ligada directa ou indirectamente à música, é igualmente explorada na película de 2013 realizada por Randall Miller. Um homem que pretendia apenas erguer um espaço que divulgasse a música tradicional americana (Country, Bluegrass e Blues, iniciais do nome da casa) mas que acabou por criar um monstro. O mundo nunca mais seria o mesmo depois do advento de bandas icónicas como Ramones, Talking Heads, Television, Dead Boys ou Blondie. Produtos à margem do mainstream da época e que encontraram no CBGB um veículo de divulgação e um trampolim para o reconhecimento. Melhor ou pior clonadas, todas elas surgem no filme, que vale mais pela banda-sonora e pelo desfile de referências, que pelo impacto interpretativo. Mesmo assim, e à falta de melhor, não deixa de ser um objecto curioso e recomendável para quem não conhece este capítulo importantíssimo da história do rock. Assim como um pedaço de nostalgia para quem o conhece ou viveu in loco. Aos interessados, segue o link para a película completa: CBGB (2013) Full Movie Watch Online.

4 de fevereiro de 2014

Blitzkrieg Punk

http://991.com/NewGallery/The-Ramones-Its-Alive-526711.jpg
Os três primeiros álbuns dos Ramones são objectos sem falhas e pedras basilares do movimento punk. Devolveram o rock à sua simplicidade básica e à sua energia pura e intensa. Ramones, Leave Home e Rocket to Russia  são bíblias na arte de fazer mexer o corpo e esquecer o que vai na mente. As suas canções entranham-se sem pedir licença e transformam num teenager instantâneo o ouvinte que a elas sucumbe. Air guitar e headbanging tornam-se tão naturais como respirar.
No seu apogeu criativo, o quarteto nova-iorquino editou um dos álbuns ao vivo mais marcantes e excitantes da história do rock. Um disco que comprova a máquina imparável que eram em concerto e o poder galvanizador e revigorante da sua música.
It's Alive foi gravado na última e suada noite de 1977, no londrino Rainbow Theatre, perante uma audiência que não poupou o espaço nem o físico. Os Ramones também não ajudaram, debitando tema atrás de tema a velocidade alucinante. Uma sucessão de clássicos, onde não faltou a imortalidade vigorosa, contagiante e bubblegum de Rockaway Beach, Sheena is a Punk Rocker, Blitzkrieg Bop ou Pinhead.
Os 28 temas que compõem o disco foram reduzidos para metade no filme do concerto. Uma avalanche igualmente deliciosa e plena de desbunda punk que constitui outro documento obrigatório para consumir a combustão de Joey, Johnny, Dee Dee e Tommy. E agora, sem mais delongas, one two three four...!


          

1 de fevereiro de 2014

Dieta Mediterrânica XI

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgu_ZuaA_6BlraL5R0F7PBWVCtD3hujdpAWhwxAy3gaekUBRiYNpjZfhP-Nct13zdHkEiH_tS88Jnco8lath_QCxhBrvCMA0vLF23pqSo8c9i6OFFdNU8BFZvjbiNPe42_71rF2obroKHq6/s1600/Elektriktus+-+Electronic+Mind+Waves+-+front.jpg
O projecto Elektriktus é uma estrela isolada na constelação de lavores do músico italiano Andrea Centazzo. Mais inspirado por estéticas avant-garde e pelo jazz improvisado, editou em 1976 um disco de nome Electronic Mind Waves que o aproximou perigosamente dos devaneios cósmicos alemães desse período.
Esta obra misteriosa principia com uma descarga de sons cintilantes e agudos, que agulham os ouvidos como se quisessem purgar a mente de qualquer pensamento para a invadir sem resistências. Chama-se Frequencer Departure e dilui-se progressivamente na siamesa Flying At Day-Break até que o ataque se resume a um murmúrio espumoso e flutuante.
First Wave sincroniza os padrões, emitindo ondas sonoras cadentes e repetitivas sobre um ritmo fixo e maquinal. Mais duas ondas se seguirão, a primeira vibrante e fluida, a segunda apaziguadora e suspensa. Pelo meio instalam-se Power Hallucination, devaneio sombrio que pinga gotas electrónicas e sopra ventos cibernéticos, e Implosion, nova espiral que combina melodias circulares a envolvências meditativas, a tendência geral do disco. É igualmente em círculo que Electronic Mind Waves se fecha no final. Primeiro com o balsâmico e planante Flying At Sunset e depois com o cair do pano definitivo de Frequencer Arrival. Volta a acupunctura sonora, mas desta vez em tons graves e crepusculares.
Da aurora ao ocaso, a única obra do percussionista Andrea Centazzo sob a denominação Elektriktus é uma preciosidade a descobrir e valorizar. As influências germânicas são de sobremaneira evidentes (Kraftwerk e Neu! nos temas mais ritmados, Conrad Schnitzler e Cluster nas peças mais atmosféricas), mas a paixão e a frescura que vibram neste disco demonstram mais inventividade que mero decalque. E Electronic Mind Waves pode muito bem ser a melhor referência da Itália como satélite da música cósmica.