29 de dezembro de 2012

2012: A Soundtrack

                               

Não é de admirar que o mundo não tenha acabado em 2012. O que é de admirar é que houve gente a acreditar nisso. Sinal dos tempos que vivemos, talvez, em que o progresso é acompanhado de obscurantismo. Mas, se a profecia Maia não se cumpriu à letra, muita coisa terá mudado irreversivelmente no mundo como o conhecemos. Especialmente na Velha Europa e, dolorosamente, no rectângulo luso.
Uma amálgama de música encheu o ano, na sua grande maioria indiferenciada. Segue abaixo a listagem do que mais me surpreendeu, prendeu e preencheu. Scott Walker e o seu Bish Bosch podem ser ainda recentes para permitir uma prolongada degustação, mas o choque é suficiente para deixar marcas profundas à primeira audição. Talvez por não haver mais nada nem ninguém a soar assim, talvez por parecermos entregues à bisharada, este disco captura magistralmente o espírito desta época em que estamos condenados a existir. Complexo e perturbador, intenso e sombrio. E a sanidade parece não estar à vista no ano que se aproxima...

1. Scott Walker - Bish Bosch

2. Swans - The Seer

3. Tame Impala - Lonerism

4. Beach House - Bloom

5. Frank Ocean - Channel Orange

6. Grimes - Visions

7. Bill Fay - Life Is People

8. Godspeed You! Black Emperor - 'Allelujah! Don't Bend! Ascend!

9. Fiona Apple - The Idler Wheel Is Wiser Than the Driver of the Screw and Whipping Cords Will Serve You More Than Ropes Will Ever Do

10. The XX - Coexist

11. Chromatics - Kill For Love

12. Grizzly Bear - Shields

13. Liars - WIXIW

14. Julia Holter - Ekstasis

15. Dirty Projectors - Swing Lo Magellan

16. Kendrick Lamar - good kid, m.A.A.d city

17. Laurel Halo - Quarantine

18. The Walkmen - Heaven

19. Sharon Van Etten - Tramp

20. Death Grips - The Money Store

21. Ty Segall Band - Slaughterhouse

22. Bob Dylan - Tempest

23. Jack White - Blunderbuss

24. Actress - R.I.P.

25. Alt-J - An Awesome Wave

26. Cat Power - Sun

27. Django Django - Django Django

28. Toy - Toy

29. Japandroids - Celebration Rock

30. Ariel Pink's Haunted Grafitti - Mature Themes

31. Twin Shadow - Confess

32. Andy Stott - Luxury Problems

33. Dr. John - Locked Down

34. Chairlift - Something

35. Jessie Ware - Devotion

36. Leonard Cohen - Old Ideas

37. Spiritualized - Sweet Heart Sweet Light

38. Cloud Nothings - Attack On Memory

39. Bobby Womack - The Bravest Man In The Universe

40. Sun Araw & M Geddes Gengras meet the Congos – Icon Give Thank

41. Neil Young & Crazy Horse - Psychedelic Pill

42. Mark Lanegan Band - Blues Funeral

43. Flying Lotus - Until The Quiet Comes

44. Alabama Shakes - Boys & Girls

45. Neneh Cherry & The Thing - The Cherry Thing

46. Bat For Lashes - The Haunted Man

47. El-P - Cancer For Cure

48. Carter Tutti Void - Transverse

49. Porcelain Raft - Strange Weekend

50. Gravenhurst - The Ghost In Daylight

27 de dezembro de 2012

Kosmische Kosmetik XLVI

Dieter Moebius foi sempre considerado a face mais agreste dos Cluster. A metade mais arrojada e experimental do duo, acrescentando uma paleta de escuridão à luminosidade melódica do seu par Roedelius. Para além desta mítica dupla electrónica, o músico alemão operou em vários projectos e colaborações antes da sua primeira aventura a solo. Harmonia, Liliental e dois discos seminais em parceria com Conny Plank são algumas das referências inescapáveis que antecederam Tonspuren, álbum de 1983 totalmente moldado pela sua mão.
Apesar das semelhanças óbvias com a abstracção electrónica em miniatura dos Cluster mais tardios, Tonspuren possui uma forte identidade própria. A personalidade vincada de Moebius, deixado sozinho, brincando e experimentando com as suas inspirações e intuições. Como se a carne dos Cluster tivesse sido roída, deixando exposta apenas a carcaça, um esqueleto de ambiências minimais e melodias quebradiças.
É um disco que caminha para a noite. Que pede isolamento e abstracção. Maioritariamente sombrio, começa com esparsos estilhaços de luz e cor. Os três primeiros temas, Contramio, Hasenheide Rattenwiesel, são os que mais se aproximam da estética dos Cluster de Zuckerzeit ou Sowiesoso. Depois o crepúsculo começa a erguer-se lentamente, abafando luz e cor num manto progressivamente cinzento. Transport é veículo subterrâneo que serpenteia por túneis industriais. Nervös faz juz ao nome, destilando paranóia rítmica e melodia opressiva. A tensão prolonga-se na dança com as sombras que é B 36 e culmina no palpitar gélido de Sinister. Surgem pistas para o que seria o advento da techno mais densa e minimal em Etwas e Immerhin é escolástica na forma como mistura polidez estética a estertores colaterais.
Tonspuren significa banda-sonora em português. À la lettre, seria certamente a música ideal para um filme de espionagem a preto e branco passado em Berlim ou na Moscovo da Guerra Fria. Despida de interpretações, é um compêndio da importância e influência de Dieter Moebius nas linguagens electrónicas contemporâneas.