Previamente à sua incursão a solo, Michael Hoenig militou em dois dos colectivos mais míticos da música germânica: Agitation Free e Tangerine Dream. Aos primeiros, adicionou às guitarras bluesy e espaciais um manto de electrónica lânguido e hipnótico; nos segundos, contribuiu para alicerçar a estrutura cósmica e melódica adotada em meados de 70 e que nunca mais foi abandonada.
Departure From the Northern Wasteland, primeiro álbum de Hoenig, editado em 1978, acaba por conjugar essas duas facetas numa viagem sonora atmosférica, refinada e envolvente.
O disco abre com o tema-título, uma peça extensa - mais de 20 minutos -, preenchida por sequenciadores em cadência e arpejos sintéticos. O resultado é um longo transe contemplativo, mas nunca soporífero, revestido por uma melodia na veia dos melhores clássicos dos Tangerine Dream. Ideal para mover o cérebro sem mover o corpo.
Hanging Garden Transfer prossegue a travessia, mas acelera a velocidade. A teia melódica adensa-se e torna-se mais pungente e urgente. O corpo é chamado a reagir e é impossível não invocar um passeio por uma qualquer autobahn que atravessa as terras desoladas do Norte mencionadas no título do disco.
A toada muda com a lenta ondulação que percorre Voices of Where, interlúdio minimal ao qual é acrescentado uma voz feminina em tom de abstracção e que resulta como um mantra despojado e dolente. Em contraste, Sun and Moon encerra o álbum de forma elevada e radiosa. Uma melodia luminescente e uma baforada de liberdade percorrem a peça. Como o regresso ansiado a um sítio do qual já sentíamos saudades.
Departure From the Northern Wasteland é considerado um dos melhores exemplos da escola berlinense de electrónica, possuidor de um papel preponderante na evolução do género e na sua gentrificação. Embora sintamos o futuro projectar-se nos meandros das suas paisagens electrónicas, acaba igualmente por ser uma obra vincadamente emocional e intemporal, à qual se retorna pelo prazer da nostalgia.
29 de janeiro de 2020
4 de janeiro de 2020
2019: A Soundtrack
2019 foi um ano sabático para esta página. Um período de mudança e reflexão, mas não de desistência. Um período de aceitação. A música acompanhou o passar dos meses, dos dias, das horas. Como antídoto para a dor. Como anestésico para a realidade e como fonte de força para a encarar.
Ghosteen de Nick Cave e os seus recatados, mas intensos, Bad Seeds foi o disco que definiu o meu ano. Elegíaco, pungente e catártico, mais ainda que o seu desolado antecessor - The Skeleton Tree -, exige coragem e abertura emocional para o ouvir e aceitar de empreitada.
2019 foi pleno de estados de graça musicais e foi fantástico constatar que uma elevada percentagem dos discos que compõem as escolhas anuais deste escriba são da autoria de mulheres. Talvez porque este mundo precisa, actualmente e mais que tudo, de um colo materno. Segue abaixo a lista da música que mais me embalou, inquietou e despertou no ano da conquista do 37º título de campeão nacional de futebol por parte do Sport Lisboa e Benfica.
1. Nick Cave and the Bad Seeds - Ghosteen
2. Weyes Blood - Titanic Rising
3. FKA Twigs - Magdalene
4. Lana Del Rey - Norman Fucking Rockwell!
5. The Comet Is Coming - Trust in the Lifeforce of the Deep Mystery
6. Purple Mountains - Purple Mountains
7. Tyler, the Creator - Igor
8. Fontaines D.C. - Dogrel
9. Bill Callahan - Shepherd in a Sheepskin Vest
10. Angel Olsen - All Mirrors
11. Solange - When I Get Home
12. Sharon Van Etten - Remind Me Tomorrow
13. Billie Eilish - When We Fall Asleep, Where Do We Go?
14. Big Thief - U.F.O.F./Two Hands
15. Vampire Weekend - Father of the Bride
16. 75 Dollar Bill - I Was Real
17. Thom Yorke - ANIMA
18. Richard Dawson - 2020
19. Brittany Howard - Jaime
20. Kim Gordon - No Home Record
21. Little Simz - Grey Area
22. black midi - schlagenheim
23. The Murder Capital - When I Have Fears
24. Aldous Harding - Designer
25. Bon Iver - i,i
26. Joan Shelley - Like the River Loves the Sea
27. Modern Nature - How To Live
28. James Blake - Assume Form
29. Fennesz - Agora
30. Helado Negro - This is How You Smile
31. Wilco - Ode to Joy
32. Julia Jacklin - Crushing
33. Michael Kiwanuka - Kiwanuka
34. Fat White Family - Serfs Up!
35. Sunn O))) - Life Metal
36. Jamila Woods - LEGACY! LEGACY!
37. Iggy Pop - Free
38. Jenny Hval - The Practice of Love
39. Beth Gibbons & The Polish National Radio Symphony Orchestra - Henryk Gorécki: Symphony No. 3 (Symphony of Sorrowful Songs)
40. Cate Le Bon - Reward
41. slowthai - Nothing Great About Britain
42. Matana Roberts - COIN COIN Chapter Four: Memphis
43. Bruce Springsteen - Western Stars
44. Lingua Ignota - Caligula
45. Klein - Lifetime
46. Angel Bat Dawid - The Oracle
47. Moor Mother - Analog Fluids of Sonic Black Holes
48. Dave - Psychodrama
49. Carl Stone - Himalaya/Baroo
50. The National - I Am Easy to Find
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