8 de abril de 2009

Par-delà la Moule



Os belgas dEUS constituíram uma das maiores surpresas musicais dos inícios da década de 90. O seu primeiro álbum, Worst Case Scenario, debitava ambiências várias e uma amálgama de influências e estilos numa catadupa vertiginosa. Captain Beefheart, Tom Waits, Velvet Underground e Sonic Youth pareciam ter sido apanhados em Antuérpia por uma rede de borboleta e cristalizados para a posteridade em 14 canções. O tom arty elegante e decadentemente europeu característico de temas como Suds & Soda, Let's Get Lost ou a espiral melancólica de Hotellounge (Be The Death of Me) impregnou (felizmente) muito bar do Bairro Alto e desviou algumas inteligentes atenções de coisas como o datado grunge... Após tão auspiciosa estreia, os dEUS superaram a corriqueira crise do segundo álbum, lançando o excelso In A Bar, Under The Sea, em tudo superior ao anterior registo e um dos melhores álbuns dos anos 90. Pelo meio fica o curioso EP My Sister = My Clock (ideal para brincar às escondidas com o nosso próprio cérebro). Compêndio de excelentes canções e experiências sónicas, é difícil encontrar destaque no meio de tanta coerência... Fell Off The Floor, Man é um delírio surrealista e intoxicante, música virada do avesso em que o inesperado surge a cada esquina; Little Arithmetics é fluída como chuva a escorrer por telhas; Gimme The Heat é uma micro-sinfonia em crescendo, tal como o conflito amoroso que lhe dá mote e que nunca é resolvido; Serpentine é uma elegia cinzenta, em que a solidão parece algo intermitente mas resignável; Nine Threads possui elementos nocturnos e fumarentos característicos de qualquer jazz, mas, neste caso específico, de jazz do Benelux; For The Roses é tensão latente, film noir melódico com anti-clímax mais que provável; Theme From Turnpike é um groove escuro e pleno de inflexões jazzísticas, que serviu de tema à curiosa película que antecede este desabafo. A partir daqui, os dEUS foram enveredando por vias mais convencionais, curiosamente agradando sempre ao público universitário lusitano... The Ideal Crash é um álbum sólido em qualquer parte do mundo, mas sem arriscar tanto como os seus antecessores. O mesmo se pode dizer dos dois que lhe seguiram e que ficam bem em qualquer estante, mas não se tornam obsessivamente imperiosos em termos de escuta. Para obsessão auditiva, mais vale o único e lunar álbum dos Moondog Jr. de Stef Kamil Carlens, ponto de paragem entre o seu abandono dos dEUS (curiosa conjunção...) e a formação dos Zita Swoon. Para além da música magistral, um álbum intitulado Everyday I Wear A Greasy Black Feather On My Hat merece certamente uma audição...