2 de janeiro de 2021

2020: A Soundtrack

 



2020 não foi o pior ano da minha vida. Mas foi, seguramente, o mais estranho. Vazio, paranóico e claustrofóbico. Senti falta das pessoas que mais me importam, das noites despreocupadas, dos cinemas e dos concertos. Compensei usando e abusando da praia e do mar. Mas confesso perversamente que o confinamento forçado permitiu-me ler mais que o antes permitido, ouvir mais música e ver filmes que guardava teimosamente para a "altura ideal". Este ano provou que não existem alturas ideais para nada. Somente o tempo presente. O tempo para fazer o que queremos e o que precisamos. O futuro é incerto, mas guarda sempre a esperança. O passado uma lição que não pode ser esquecida. Crendices e superstições voltaram a proclamar o fim. A ciência, mais uma vez, trouxe a razão. Quando a ciência falha, pede desculpa. Quando a religião falha, arranja desculpas. Este não será, certamente, o fim. Mas também não será o princípio de tempos beatíficos. O conflito existe, é constante. Os retrocessos ao obscurantismo igualmente, seja apregoando castigos divinos ou invocando o fantasma do fascismo. Esperemos que os seres humanos esclarecidos saibam exorcizar as trevas e a desunião.

A música foi, obviamente, muito importante no atípico ano de 2020. Mas nem melhor ou pior que antes. Nenhuma obra-prima esmagou a concorrência ou erigiu, per si, um monumento sonoro indelével. Merece destaque o colectivo britânico Sault, cujos dois álbuns editados no ano que passou condensaram magistralmente o melhor da música afro-descendente, em tempos de inusitado retorno de conflitos raciais. Bob Dylan provou uma vez mais o seu estatuto de mestre intemporal, sempre a gravitar em torno de modas e tendências, mas a cravar o veneno das suas palavras misteriosas e poéticas sem rival à altura. Desde o magnífico Time Out of Mind que Dylan não reunia um conjunto de canções tão esmagadoras. Esperemos que não seja o canto do cisne de voz agreste.
Fiona Apple reuniu igualmente consenso, com mais uma obra onde o experimentalismo e a emoção se conjugam de forma intensa e visceral, merecendo todos os louvores que lhe foram dirigidos.
O Jazz esteve igualmente em destaque. Talvez não aquele que mais agrade aos puristas do género, mas sim através de um estilo ramificado, fusional e aventureiro, favorecendo o futurismo em detrimento do hermetismo.

Foram estes os discos que me acompanharam ao longo do ano zero do surto pandémico. Não me livraram do cepticismo esperançoso, mas farão parte da memória destes tempos de incerteza.


1. Sault - Untitled (Black Is)

2. Sault - Untitled (Rise)

3. Bob Dylan - Rough and Rowdy Ways

4. Fiona Apple - Fetch the Bolt Cutters

5. Perfume Genius - Set My Heart on Fire Immediately

6. Fleet Foxes - Shore

7. Moses Sumney - Grae

8. Fontaines D.C. - A Hero's Death

9. Phoebe Bridgers - Punisher

10. Haim - Women in Music Pt. III

11. Jessie Ware - What's Your Pleasure?

12. Porridge Radio - Very Bad

13. The Strokes - The New Abnormal

14. Waxahatchee - Saint Cloud

15. Thundercat - It Is What It Is

16. Yves Tumor - Heaven To A Tortured Mind

17. Beatrice Dillon - Workaround

18. Destroyer - Have We Met

19. Taylor Swift - Folklore

20. Jarv Is... Beyond the Pale

21. Tame Impala -The Slow Rush

22. Moses Boyd - Dark Matter

23. Róisín Murphy - Róisín Machine

24. The Weeknd - After Hours

25. Run the Jewels - RTJ4

26. Nubya Garcia - Source

27. The Flaming Lips - American Head

28. Bill Callahan - Gold Record

29. Idles - Ultra Mono

30. The Soft Pink Truth - Shall We Go On Sinning So That Grace May Increase?

31. Laura Marling - Song For Our Daughter

32. Sparks - A Steady Drip, Drip, Drip

33. Grimes - Anthropocene

34. U.S. Girls - Heavy Light

35. Khruangbin - Mordechai

36. Bill Fay - Countless Branches

37. Arca - KiCk i

38. Oneohtrix Point Never - Magic Oneohtrix Point Never

39. Shabaka and the Ancestors - We Are Sent Here By History

40. Nick Cave - Idiot Prayer: Nick Cave Alone at Alexandra Palace

41. Rose City Band - Summerlong

42. The Microphones - Microphones in 2020

43. Hum - Inlet

44. Jeff Parker - Suite for Max Brown

45. Mourning [A] Blackstar - The Cycle

46. Moor Mother - Circuit City

47. William Basinski - Lamentations

48. Adrianne Lenker - Songs

49. Adrianne Lenker - Instrumentals

50. Kelly Lee Owens - Inner Song