25 de janeiro de 2009
Molduras Musicais
Persistent Repetition Of Phrases do britânico James Kirby a.k.a. The Caretaker é um devaneio musical fascinante. Escutar este álbum onírico e hipnótico é como olhar uma velha fotografia amarelecida pelo tempo e vê-la arder lentamente; é como assistir a um romântico film noir dos anos 40 e ficar preso infinitamente numa das cenas. O tempo não passa por aqui, quanto muito arrasta-se pelo passado numa espiral circular e contínua. O som de velhos discos de vinil, acompanhados do devido scratch, sobrepõe-se e contrapõe-se, sucessivamente, criando uma atmosfera minimal e emocionalmente surrealista. As melodias, jazzísticas, kitsch, ou somente etéreas, mas sempre contidas, impõem-se suave e repetidamente, transportando-nos numa vaga lenta e involuntária para nostalgias e memórias. Apetece olhar o mar num dia cinzento, abrir um baú cheio de recordações antigas ou beijar Ingrid Bergman com os lábios de Humphrey Bogart. Mais que música, este album cria ambiências e evocações, molda o passado com um barro futurista. Materializações do trecho que há muito tempo escutámos e do qual só retemos uma parte, que fazemos ecoar na nossa mente até empalidecer. Estas molduras sonoras são balsâmicas e penetrantes, mas parecem ao mesmo tempo tão longínquas que é impossível alcançá-las.
Suave Gelo
Romantismo negro. Gótico e exacerbado. A austeridade vitoriana do piano e a poesia sepulcral. Como se Byron e as irmãs Brontë decidissem trocar correspondência além-túmulo. David Tibet, mentor dos Current 93, assina em Soft Black Stars uma obra tão bela quanto niilista, tão doce quanto desencantada.
As musas que assombram estas declamações / ruminações não são belas, muito menos luminescentes. O piano apenas acentua a solidão e o vazio. Esta música não oferece quase nada. Somente a saída de um quarto fantasmagórico e cheio de teias de aranha em direcção à noite. Uma noite fria, escura, de ruas desertas, que apenas acentuam a conclusão de que nascemos sós e assim perecemos. A nostalgia da infância perante a certeza da morte. O abandono de Deus. A procura do amor eterno, apesar de efémero. O pesadelo que nos acorda de madrugada. David Tibet continua a lembrar-nos de tudo o que fazemos os possíveis por esquecer e Soft Black Stars é um contínuo poema bruxuleante, um espelho de medos e fantasias arcaicas que nunca nos abandonaram.
As musas que assombram estas declamações / ruminações não são belas, muito menos luminescentes. O piano apenas acentua a solidão e o vazio. Esta música não oferece quase nada. Somente a saída de um quarto fantasmagórico e cheio de teias de aranha em direcção à noite. Uma noite fria, escura, de ruas desertas, que apenas acentuam a conclusão de que nascemos sós e assim perecemos. A nostalgia da infância perante a certeza da morte. O abandono de Deus. A procura do amor eterno, apesar de efémero. O pesadelo que nos acorda de madrugada. David Tibet continua a lembrar-nos de tudo o que fazemos os possíveis por esquecer e Soft Black Stars é um contínuo poema bruxuleante, um espelho de medos e fantasias arcaicas que nunca nos abandonaram.
17 de janeiro de 2009
A Pint of Existencialism
Nos últimos dias, esta canção tem-me perseguido por toda a parte. Não sei se o que me assombra é a melodia agridoce a la Burt Bacharach ou o fantasma da primeira fase de Scott Walker que povoa o tema... Certo é que os Last Shadow Puppets, duo formado pelos quase imberbes Alex Turner dos Arctic Monkeys e Miles Kane dos Rascals, intencionalmente ou não, importam uma atmosfera existencialista típica dos anos 60 europeus para o século XXI. Apesar das óbvias influências e do cariz assumidamente retro do primeiro álbum do duo, The Age Of Understatement, as composições reflectem uma urgência e uma certa angústia latente. Como se a swinging London se fundisse ao punk; como se o estilo e o glamour dos sixties pudessem mascarar o negrume dos tempos actuais. Esta música assenta tão bem como banda sonora de alienação urbana e de frustração juvenil, como numa cocktail party. Trata-se de uma bela nota de rodapé, um disco que será visto como mera curiosidade daqui a muito tempo, mas cuja improbabilidade de influências e bizarria grandiosa da música, o transformam numa novidade fora de moda.
13 de janeiro de 2009
Zeitgeist
Napoleão Bonaparte afirmou uma vez que a História é um conjunto de mentiras acordado e escrito pelos vitoriosos. Os filmes Zeitgeist (2007) e Zeitgeist Addendum (2008) do produtor e realizador Peter Joseph podem certamente adoptar esta frase como mote, na denúncia e no desmascarar que fazem do imperialismo norte-americano. Por estes dias, qualquer cibernauta esclarecido ou cidadão atento ao meio cinematográfico mais periférico terá já assistido a estas obras perturbadoras, que assentam numa série de Teorias da Conspiração para agitar consciências e alertar para a ilusão e mentira em que os Estados Unidos da América mantém a sua nação e todo o Mundo. O enredo dos filmes desenrola-se, essencialmente, num fio narrativo sobre uma música minimal, onde uma voz neutra desfia um rosário de factos e acontecimentos que pretendem provar que o Homem ocidental moderno é vítima de uma súmula de mentiras, manipulações e distorções da realidade. Tudo para crer que pertence a uma sociedade equalitária, democrática e justa, quando, na verdade, os detentores do poder dessa mesma sociedade o mantêm contínua e sucessivamente subjugado ao móbil dos seus interesses, tratando os indivíduos como verdadeiros cães de Pavlov, crentes na sua liberdade, mas que agem como massas ordenadas e comandadas ao sabor da política, da banca, da religião...
O primeiro Zeitgeist subdivide-se em três capítulos que abordam e questionam, sequencialmente, o Cristianismo e a sua constituição como religião organizada, os ataques perpetrados a 11 de Setembro de 2001 e a Reserva Federal dos E.U.A..
Zeitgeist Addendum, por seu turno, foca a problemática da globalização e a manipulação do Homem pelas grandes corporações e instituições financeiras. O último capítulo desta sequela centra-se na solução para as denúncias e falhas civilizacionais anteriormente apresentadas. É aqui que o espectador, provavelmente convencido, intrigado, assombrado ou estarrecido perante o bombardeamento de revelações a que assistiu, poderá tomar parte integrante da experiência. O Projecto Vénus: Uma sociedade futurista assente no uso da tecnologia e das suas potencialidades como elemento potenciador de um desenvolvimento humano assente na igualdade, paridade e riqueza para todos.
Se ambas as películas deslumbram e fazem estremecer as bases individuais e sociais de cada um de nós perante as teorias e provas apresentadas, o epílogo do documentário será, talvez, o alvo de maior polémica. Podemos ser tentados a pensar numa nova forma de totalitarismo, podemos profetizar a Humanidade como entidade finalmente organizada sob os mesmos ideais e projectando-se para fins comuns, ou podemos acreditar num retorno do Homem àquilo que ao longo de milénios se tem vindo a clivar e a alienar: a Natureza, da qual é parte integrante, e à relação simbiótica que deixou de possuir com esta.
Independentemente das interpretações, estes dois documentários são essenciais e obrigatórios. Podem não mudar uma vida, mas mudarão certamente muitas ideias e atitudes, despertando, inclusivé, para uma nova forma de activismo. Ambos estão disponíveis gratuitamente em http://www.zeitgeistmovie.com/. Os interessados no visionário Projecto Vénus poderão investigar mais a fundo em http://www.thevenusproject.com/.
10 de janeiro de 2009
Buried in Concrete
1929 foi o ano da Grande Depressão. 2009 aproxima-se dessa negra página histórica e poderá, inclusivé, superá-la. O número 9 é comum a ambas. Segundo a numerologia, este número simboliza o final de um ciclo e o começo de outro. Este aparte esotérico serve apenas para enquadrar a forma como o agrupamento belga Front 242 codificou o título do primeiro dos seus dois álbuns datados de 1993: 06:21:03:11 UP EVIL. Comparando os números à letra correspondente do alfabeto, verificamos que correspondem a F:U:C:K. FUCK UP EVIL. Engenhoso...
Adquiri este álbum no Verão de 93 e estabeleci desde logo com ele uma relação de atracção-repulsa. Definitivamente, por estas bandas não há sol, apenas um frio metálico. Trata-se de uma hora repleta de bleeps, samples e vozes distorcidas, agressiva e impiedosa, onde a única melodia imperante é a que permite vislumbrar a paisagem do caos por entre um cinzentismo omnipresente e esmagador que atulha tudo e todos. É esse caos escuro e urbano, de atmosfera futurista mas repleto das pulsões mais primárias, que assombra este disco. Cada tema é um estilhaço, um circuito fechado de informação que nos agarra pelo pescoço e nos faz sentir como robots esmagados pelo peso do betão, da competição, da agressividade, perdidos num labirinto virtual que William Gibson decerto apreciaria. Faz lembrar o seu Neuromancer. Evoca a desolação tecnológica de Blade Runner, caso não tivesse sido fabricado em Hollywood.
Houve quem chamasse aos Front 242 Electronic Body Music, ou música de dança para quem não gosta de dançar... Aqui pode dançar-se. Mas como autómatos puxados por cordas ou espantalhos esqueléticos abanados pelo vento. O ritmo existe, forte e penetrante, mas possuído por um nevoeiro de cortar à faca. Regressei a este disco hoje. O mundo exterior alimenta-o mais que nunca. No inlay da sua capa podem ler-se as palavras BURIED IN CONCRETE. Provavelmente, é assim que nos sentimos perante esta música carregada de niilismo urbano e futurismo tenebroso, que assenta que nem uma luva ao Inverno crítico de 2009 e ao mal-estar que (dizem...) vai contaminando a sociedade. Quem tiver coragem, que a ouça bem alta...
5 de janeiro de 2009
Radio Drama
Em 1938, Orson Welles criou um programa de rádio denominado The Mercury Theatre on the Air. O objectivo era aproveitar o potencial do éter na divulgação e dramatização de obras da literatura clássica e contemporânea. A primeira produção foi uma adaptação radiofónica de Bram Stoker's Dracula, ao que se seguiram outros clássicos como Treasure Island ou The Count of Monte Cristo. Mas o que marcou definitivamente estas emissões radiofónicas foi o inovador The War of The Worlds, a sobejamente conhecida dramatização de uma invasão marciana do planeta Terra. Todas estas peças históricas estão disponíveis para escuta em http://www.mercurytheatre.info/.
4 de janeiro de 2009
Rock List
O site de Julian White é uma verdadeira mina de ouro para os garimpeiros de listagens musicais. Desde 1996, este inglês encapsula peças das mais variadas publicações da imprensa musical desde 1952 até agora, oferecendo uma busca exaustiva para quem esteja interessado em saber o que opinam muitos jornais e revistas relevantes nesta área. Para além das óbvias End Of Year Lists, podemos encontrar em http://www.rocklistmusic.co.uk/ uma belíssima súmula de artigos que os mais dedicados melómanos não desdenharão. Do New Musical Express à L' Inrockuptibles, da Uncut à Village Voice, vale a pena perder umas horas a percorrer este site único e verdadeiramente minucioso...
Subscrever:
Mensagens (Atom)