Guiado igualmente pela parafernália saxofónica do influentíssimo e infelizmente malogrado Robert Calvert e pela voz acrobática de Anna Meek, Changes é um marco incontornável no cruzamento entre a implausibilidade do jazz e a inevitabilidade do rock. Atmosférico q.b., o disco alonga-se por não mais de 4 faixas, todas elas de duração considerável, todas elas perfeitas para meditação, reclusão, desligamento temporário da realidade. Reflections, primeiro tema, desliza como bicho-da-seda sobre folha verde, lenta e viscosamente, o saxofone e o órgão a debaterem-se por entre a voz de Anna Meek, que parece oscilar entre os guinchos de banshee da Kate Bush dos primórdios e a genuína pedrada (herbal ou qualquer que seja...) de Grace Slick. O ritmo é bombeado em força e a velocidade é estanque, sendo o final da peça um ecoante delírio fantasmagórico, inesperadamente acústico e invadido por sombras inquietas, invocadas pela voz de Meek. Diamanda Galás bem poderia ser uma delas, que parecem carpir à distância...
Charing Cross atenua a gélida performance concluída segundos atrás, revelando-se mais morna e dominada pelo sopro melódico mas parcimonioso de Robert Calvert. Protótipo descarnado de canção jazz, inflecte a meio caminho por um ritmo frenético e espacial, não muito longe dos desvarios fora de órbita dos apocalípticos Hawkwind, outro dos part-times do free-lancer Calvert. A terminar, um soberbo e planante solo de guitarra de Graham Wilson, que coloca o tempo em suspenso à medida que se escoa em fade-out.
Thank Christ for George escancara-se à partida como um forte e belíssimo exercício jazz-rock. Traz reminiscências dos magníficos Nucleus e dos seminais Soft Machine, gente incontornável por estas alturas na velha Albion... Anna Meek junta-se à festa, com voz felina e enfeitiçada. A partir daí, a música entra em transe, um transe nocturno e psicadélico da melhor safra, dos que penetram o cérebro e não lhe dão descanso. E o acme chega à quarta faixa. Simplesmente magistral, It Could Only Happen to Me é a melhor criação dos Catapilla. Três minutos iniciais em que o saxofone de Calvert despeja uma beleza e um langor quase seráficos, antes de se deixar impregnar pela guitarra em sinuoso improviso. A envolvência é extrema e, à medida que a música progride, somos enredados num sublime casulo sonoro. É um daqueles temas que só peca por ser escasso e que, ao terminar, nos impele a ouvi-lo de novo.
Como em todas as crisálidas, esta pouco ou nada nos exige em termos de movimentos. Changes é uma escuta incorpórea, ideal para serões solitários em que a alma pede alimento e a mente pede estímulo.