27 de março de 2010
O Livro-Labirinto
É um livro inigualável. O Manuscrito Encontrado em Saragoça, obra escrita em estilhaços pelo aristocrata polaco Jan Potocki no início do século XIX, é inúmeras vezes comparado a clássicos como As 1001 Noites ou o Decameron. Ninguém sabe se o livro foi definitivamente concluído, pois o autor suicidou-se antes da sua edição, deixando fragmentos espalhados pelos mais diversos lugares. Certo é que se trata de um tomo literário arrebatador, labiríntico e esotérico, no qual convivem em igual medida o oculto, o erótico, o sagrado e o profano. O que começa por ser a história de Alphonse van Worden, capitão dos Guardas Valões que decide atravessar a Serra Morena a caminho de Madrid, desenrola-se numa espiral de histórias e eventos, passada em 66 jornadas. Nada acontece por acaso, sendo o 66 o número cabalístico que designa a circularidade. As estranhas e coloridas personagens sucedem-se umas às outras, todas com a sua história própria, todas interligadas. Revolver as páginas é um sonho constante, com o Manuscrito transportando-nos magistralmente para um mundo de fantasia, belo e horrendo, etéreo mas igualmente carnal. Provavelmente, lê-lo somente uma vez não é suficiente para açambarcar todas as suas delícias e mistérios. As interpretações da obra são inúmeras, o seu apelo afecta o mais íntimo de um ser aberto a delírios criativos. Tal como quem vive uma vida cheia não quer morrer sem mais uma emoção, sem mais uma aventura, assim é este livro. Parece conter tudo o que de mais maravilhoso e terrífico se pode deparar a uma fantástica existência humana, em rasgos de imaginação memoráveis. É fabuloso chegar à terceira década de existência e, após incontáveis livros lidos, sentir os prazeres da literatura como se fosse a primeira vez. E fechar as cortinas ao mundo, sine diae, como há muito tempo...