Herói do Lo-Fi, Damon Gough iniciou os seus tímidos passos com uma série de EP's nos finais dos anos 90. Como a rusticidade da publicidade boca-a-boca é quase sempre infalível, estas gravações primárias granjearam-lhe um culto precoce. No virar do século, o homem conhecido artisticamente como Badly Drawn Boy é universalmente aclamado por aquele que continua a ser o seu pico criativo: The Hour of Bewilderbeast. Uma pérola da pop contemporânea, impregnada de canções em absoluto estado de graça. Em 3 anos, Gough afasta-se dos territórios mais familiares a Beck ou ao mais demencial de Baby Bird e enfrenta o mundo com arranjos à Van Dyke Parks, reminiscências folk e composições de uma beleza por vezes frágil, mas de um conteúdo memorável. Ouvido do princípio ao fim, o disco parece um exercício de corte e colagem, onde canções se intercalam com curtos interlúdios instrumentais e os mais variados tipos de sons são atirados às melodias. É suposto o álbum reflectir o ciclo de vida de uma relação amorosa, pelo que se compreende a amálgama muitas vezes desordenada mas sempre bela que o afecta. Revela-se sempre mais coração que razão. Da abertura serena e ensolarada de The Shining ao encerramento acústico, informal e acompanhado a passarinhos de Epitaph, passa uma hora de encantamento. Os temas mais despojados penetram como agulhas e só não acertam em quem nunca amou: ouça-se Fall in a River, Camping Next to Water ou o arrebatado Magic in the Air e sonhe-se com a amante perdida ou a amante impossível. E, já que a idealização veio à tona, quem diz que Nick Drake não parece ressuscitar no Outono verde-escuro da magnífica Stone on the Water?
Once Around the Block e Pissing in the Wind são dois singles de génio. A primeira, que chega a fazer lembrar Golden Brown dos Stranglers, é igualmente uma valsa dourada, com uma lindíssima melodia de guitarra e uma cantilena que penetra a alma; a segunda inflecte subtilmente pela country mais existencial e embala corações no escuro. Ambos os videoclips são de visualização obrigatória: Um porque enternece, outro (com uma soberba Joan Collins) porque comove. Para completar o ramalhete a um disco já de excepção, há que realçar a energia pulsante de Disillusion e o ribombar cintilante mas circunspecto de Everybody's Stalking. Em suma, o ano 2000 poderia ter vivido sem este disco, mas não teria sido a mesma coisa...
Após vencer o marcante (e meter uma boas notas ao bolso) Mercury Prize logo ao primeiro álbum, Damon Gough não editaria nada até 2002, dedicando esse período à divulgação de The Hour of Bewilderbeast em concertos já clássicos pelo insólito e estrambólico que os revestia.
2002 vê, então, a saída da banda-sonora de About a Boy, filme mediano cuja música é uma das boas razões para o ver. Disco à margem, detém um trunfo infalível no persistente suspiro de Silent Sigh, soberba canção e uma das melhores composições de sempre de Badly Drawn Boy. Muito bons são igualmente Something About a Boy e Donna & Blitzen, sendo que o resto do álbum é irregular, um misto de melodias folk e tímidos ritmos hip-hop aqui e ali.
No final desse ano, sai novo álbum, o segundo oficial. Have You Fed the Fish? é o seu nome e os peixes parecem estar já bem gordos, porque todo o álbum parece ser possuído por uma atmosfera balofa, longe das idiossincrassias deliciosas de The Hour of Bewilderbeast. O disco começa bem, com o tema-título a desvelar-se como um misto do Todd Rundgren mais meloso e do Harry Nilsson mais luminoso. Seguem-se dois temas esquecíveis e outro, fortíssimo: All Possibilities, um update contagiante da soul orquestrada dos anos 70, ritmado e saboroso. O yin-yang acústico-eléctrico de I Was Wrong / You Were Right funciona na perfeição, constituíndo o melhor momento do álbum. How cresce a partir da introversão e é banhada por luzes, violinos e sopros que não conseguem esconder a sua timidez. A partir daqui o combóio parece descarrilar-se, devido ao excesso de produção que tira o prazer solitário que tanto cativa à escuta de Badly Drawn Boy. Talvez a única excepção seja Tickets To You What You Need, tema que tresanda aos Beatles mais dados ao vaudeville e, talvez por isso, nos enlaça no seu amplexo.
Novo álbum surge em 2004, desta feita intitulado One Plus One Is One. Obra bem mais apagada que o seu antecessor, torna-se aborrecida pelo marasmo inerente, salvando-se temas simples de inspiração folk, como Easy Love ou This is That New Song. Summertime in Wintertime parece saída das caves do progressivo de inícios de 70, emulando a flauta de Ian Anderson dos Jethro Tull ou as guitarras em linha recta dos Iron Butterfly. O resto perde-se em arranjos desnecessários e um Damon Gough demasiado perdido em delícias domésticas para sair da sua ostra e correr riscos.
O pior acontece em 2006: Born In The U.K. envereda por um território comercialão e facilitista, pleno de melodias polidas e arranjos inchados comprimidos em canções de 4 minutos. Claro que o disco soa bem, a produção é impecável. Mas soa bem no sentido de uma viagem pela auto-estrada ao som da RFM: Não se passa nada digno de captar a nossa atenção, mas também nada nos distrai verdadeiramente da paisagem. Infelizmente um disco esquecível, traz claramente à ideia que foi feito para seguir o trilho do maior sucesso de vendas de sempre do ídolo de Damon Gough: Bruce Springsteen e o seu Born In The U.S.A.. Mas teria sido bem melhor que o trilho seguido fosse o do superior Nebraska...
Uma esperança parece despontar com o último trabalho de Badly Drawn Boy. Is There Nothing We Could Do?, editado em 2009, traz de volta as ambiências genuinamente melancólicas do seu primeiro álbum e parece ver tenuamente despertos de novo os talentos composicionais do artista. Tratando-se de uma nova banda-sonora e não de um álbum propriamente dito, soa a música inspirada em e não a música para inspirar. De qualquer forma, temas magníficos como o que dá título ao disco, Welcome Me To Your World ou Wider Than a Smile ainda arrepiam e renovam a esperança de Damon Gough nos revolver romanticamente as entranhas como no princípio do milénio. E que saudades de preciosidades como esta: