Zuckerzeit marca um ponto de viragem definitivo na arte dos Cluster. Após duas seminais quedas no vazio cósmico, encetadas em Cluster 71 e Cluster II, o universo musical do duo Roedelius-Moebius começa a formar ordem a partir do caos. Chegou o tempo do açucar, como o título do álbum indica, e esse tempo coloca a electrónica ao serviço do prazer auditivo. Mas o adoçante é o aditivo que predomina neste marcante álbum de 1974. O açucar é um ingrediente demasiado natural para estes paraísos artificiais e robóticos.
Foi notória a influência dos Neu! e, particularmente, do seu membro Michael Rother, nesta nova versão dos Cluster. Juntos, Rother, Moebius e Roedelius haviam formado os Harmonia, colectivo essencial na aproximação da música das esferas à electrónica de vanguarda. Rother senta-se agora na cadeira do produtor e Zuckerzeit carrega na bagagem as memórias deste encontro, irradiando o entusiasmo de uma jornada de descobertas.
Durante o seu longo tempo de vida, os Cluster sempre oscilaram entre as tendências dos seus dois elementos. Moebius foi sempre o mais experimental, Roedelius o mais melódico. Os trabalhos a solo que ambos editaram paralelamente não deixam margem para dúvidas. Neste sentido, Zuckerzeit é um disco dividido em dois, os seus dez temas assinados por duas penas diferentes em que a paridade impera: cinco para cada um.Tudo aqui tresanda a visionário, a profecias de pop electrónica. Farripas de humanidade por entre a frieza das máquinas. Sem bugs ou outras falhas, as peças do álbum pairam e fluem como um sonho mecânico. Hollywood, Rosa, Fotschi Tong ou Heisse Lippen (todos assinados por Roedelius) fermentam numa conjunção entre melodias vaporosas e futuristas e variações inventivas de ritmos motorik. O ripostar de Moebius (Rote Riki, Caramba, James ou Rotor) é mais agressivo, envolvendo o disco em tons de escuro. Mais cerebrais e provocadores, estes exercícios ajudam a fazer de Zuckerzeit a obra variada, completa e fundamental que ainda hoje é.
Enquanto o objectivo dos Kraftwerk residia na transição do Homem para a Máquina, os Cluster iniciaram aqui o inverso. A Máquina transmuta-se no Homem, e talvez seja por isso que a música do duo berlinense não soe tão perfeita e precisa como a dos seus pares de Düsseldorf. Aqui somos transportados para o reino cibernético das emoções...