1 de novembro de 2013

Estrela de David

A maioria dos que me lêem conhece certamente o icónico Blow-Up, filme de Michelangelo Antonioni cujo enredo se centra num fotógrafo que, conscientemente ou não, é testemunha involuntária de um assassínio. A película de 1966, com o seu retrato romantizado e estilizado da Swinging London e das suas vivências libertárias, tornou-se um marco cultural, parte integrante do imaginário da década de 60 do século passado.
Igualmente célebre ficou David Hemmings, o actor que encarnou o fotógrafo David Bailey e cuja personagem se colou inevitavelmente à sua carreira cinematográfica.
Talvez apenas uma minoria dos que me lêem conheçam a vertente musical de David Hemmings. O que é natural porque o actor apenas foi cantor num disco - Happens, de 1967.
É uma obra que vale mais pela curiosidade que pelo conteúdo. Hemmings é acompanhado por gente de valor (como Roger McGuinn e Chris Hillman dos Byrds ou o baterista Ed Thigpen do trio jazzístico de Oscar Peterson) e entrega-se a versões de nomes não menos consagrados como Tim Hardin ou Gene Clark. Estas, Reason To Believe e Back Street Mirror, abrem o álbum da melhor maneira, mostrando que David Hemmings poderia ter sido um cantor credível ao invés de um grande actor. No entanto, o glamour da Swinging London que tanto ajudou a definir a sua imagem encontra-se ausente dos cenários sónicos de Happens. A maioria das canções enquadra-se numa moldura folk pop com ligeiros lampejos de psicadelismo, exemplificadas perfeitamente em Good King James, Anathea e War's Mystery e no toque transcendente que a cítara de Roger McGuinn lhes confere. After The Rain e The Soldier's Wind ressoam como ecos de prados verdes ingleses.
David Hemmings não conseguiu ser um bardo de sucesso, ao contrário do seu trabalho como actor. Happens passou fugazmente pela música e a música apenas o olhou de soslaio. Para a posteridade fica uma das raridades possuidoras da bizarria típica da década que a viu despontar.