28 de fevereiro de 2020

Wörd of Möuth

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The Guts and the Glöry é um documentário de 2005 que retrata a história dos míticos Motörhead. A peculiaridade do filme é que o mesmo assenta, única e exclusivamente, em relatos na primeira pessoa, dos músicos mais importantes da banda britânica.
Rodado maioritariamente num pub - ambiente mais que típico e apropriado -, The Guts and the Glöry mostra Lemmy, Phil Taylor, Eddie Clark e Phil Campbell a narrarem a sua saga de modo informal e pleno de episódios anedóticos.
Particularmente interessante é a forma como Lemmy e Phil Taylor vão ficando progressivamente embriagados ao longo do filme. Mais Rock'n'Roll que isto é impossível. Now watch it!



             

22 de fevereiro de 2020

Sepia Tone Songs


KENNY KNIGHT - CROSSROADS  VINYL LP + DOWNLOAD NEUPerante a capa e o conteúdo de Crossroads - primeira e única obra do norte-americano Kenny Knight -, custa acreditar tratar-se de um disco editado em 1980. Em primeiro lugar, pela pose sonhadora e o look hirsuto a puxar ao hippie do artista; em segundo lugar, pela música, mais próxima dos territórios percorridos pelos Grateful Dead ou Byrds (especialmente Gene Clark) nos anos 60, que da New Wave reinante na altura do seu lançamento.
Contudo, este anacronismo absoluto não prejudica em nada o disco, antes pelo contrário. Crossroads é uma belíssima colecção de canções que descendem directamente da linhagem Country & Folk norte-americana. Canções aparentemente simples e despretenciosas, mas que guardam uma melancolia agridoce e revelam uma mestria composicional que as torna intemporais.
Não existe nenhum tema fraco em Crossroads. Does He Hide, One Down e Carry Me Down são road songs em tons de sépia, que nos transportam para uma imensidão americana evocativa, em igual medida, de liberdade e solidão.
All My Memories, To Be Free e You Can Tell Me I'm Wrong são baladas contemplativas, marinadas num doce tempero psicadélico e destilando emoções em estado puro.
Depois há Whiskey, Country Rock sardónico servido com gelo. E America, canção de amor/ódio ao país do Tio Sam e cujo desencanto latente soa mais actual que nunca.
O tema mais pungente do disco será também aquele que mais destoa da sua toada geral. Jean, uma canção de amor sombria e dolente, cuja guitarra etérea cobre o desespero como um véu transparente.
Nunca saberemos se Kenny Knight seria capaz de repetir o estado de graça que assombra, transversalmente, Crossroads. Ao que consta, a parca atenção concedida ao álbum e o seu fracasso comercial, levaram a que o músico se livrasse das últimas cópias lançando-as para o lixo. Felizmente, a editora Paradise of Bachelors - especialista no resgate de raridades e obras obscuras - procedeu à sua reedição em 2015. Existe sempre tempo para descobrir pérolas musicais. E esta pérola não deixou o seu tempo definido.

21 de fevereiro de 2020

A Sul do Paraíso

Resultado de imagem para slayer south of heavenApós terem distorcido as leis da velocidade do som no vertiginoso e abissal Reign in Blood, os Slayer abrandaram o ritmo. Tal não significa que o defunto quarteto de Thrash Metal norte-americano tenha amolecido. Mudaram somente as regras da agressão.
South of Heaven, o quarto álbum da banda, prossegue o fogo cerrado do seu predecessor, acrescentando-lhe nuances experimentais e recuperando o negrume torturado e a atmosfera pantanosa de Hell Awaits.
A audição de South of Heaven, passados 32 anos da sua edição original, assemelha-se ainda a uma travessia sombria por paisagens em ruínas e lamacentas, debaixo de um céu carregado.
As guitarras pungentes e voláteis de Kerry King e Jeff Hanneman impregnam o disco de riffs demoníacos e grooves monolíticos. A voz de Tom Araya espraia-se, entre o narcótico e o demencial, não carecendo de pirotecnias para escaldar os tímpanos. Mas é, sem dúvida, a bateria de Dave Lombardo que carrega o álbum nos ombros. É impossível resistir à precisão, mestria e intensidade com que Lombardo trata as peles. Qual polvo possuído pelo Demo, será, provavelmente, a melhor prestação de sempre em estúdio de um baterista de Thrash Metal.
Os quatro temas iniciais de South of Heaven estão entre os melhores alguma vez compostos pelos Slayer. A canção que dá título ao álbum é um monolito pesado e arrastado, que parece abrir caminho por um lodaçal denso, em esforço crescente. A música destila decadência e amoralidade.
Segue-se Silent Scream, ataque maléfico, impiedoso e, sem dúvida, o momento alto do disco. Juntamente com o esmagador Angel of Death - de Reign in Blood -, será, inclusivé, a peça mais incisiva e impressionante do currículo da banda. Três minutos imparáveis, que parecem demorar três segundos e que equivalem a um espancamento de três horas, ao qual não temos forças para resistir. Dave Lombardo é colossal, Araya é gélido e as guitarras cortam como estiletes.
Live Undead deixa-nos recuperar o fôlego por breves momentos. Elogio/elegia à loucura, ecoa sonambulamente até ao grito lancinante que nos atira para um precipício em que as guitarras se degladiam psicoticamente e a bateria é uma descarga propulsiva de adrenalina.
Behind the Crooked Cross é o tema mais directo do álbum. Cinicamente melódico (até trauteável), mas sem perder pitada de agressividade, parece antecipar o advento do Stoner Rock.
Mandatory Suicide e Read Between the Lies mantêm a toada lenta (pelo menos nos padrões dos Slayer) e focam a guerra e a religião, temáticas que, além da sanidade mental, contaminam de sobremaneira o universo do grupo.
Ghosts of War e Cleanse the Soul são os temas que mais se aproximam dos ataques relâmpago do passado, com Dave Lombardo a elevar a fasquia rítmica até à estratosfera.
Pelo meio, surge uma versão densa e enegrecida de Dissident Aggressor, original dos Judas Priest e que assenta como uma luva na desoladora ambiência geral de South of Heaven. Tudo termina com o pesado e hipnótico Spill the Blood, onde guitarras acústicas se intercruzam com eléctricas, a bateria é marcial e a voz de Tom Araya soa como um demónio sedutor mas desapaixonado.
Ao que consta, o quarteto não ficou muito satisfeito com o resultado final do álbum, muito graças à maior acessibilidade sónica da produção. Não obstante, South of Heaven acaba por ser a obra mais variada dos Slayer, conjugando em igual medida momentos perturbantes, violentos e introspectivos. Tal como o supracitado Stoner Rock, os alicerces do Sludge Metal começaram a ser erigidos aqui, pelo melhor e mais sólido colectivo da história do Thrash. Pese embora reformado, o seu legado soa mais demencial e pertinente que nunca nestes tempos conturbados.

8 de fevereiro de 2020

Kosmische Kosmetik LIV

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Adelbert von Deyen foi muitas vezes acusado de ser um clone do seu conterrâneo e contemporâneo Klaus Schulze. Pese embora a carreira do primeiro tenha arrancado quase uma década após o despontar do segundo, as semelhanças musicais e estéticas são notórias.
Sternzeit e Nordborg, álbuns editados, respectivamente, em 1978 e 1979, são obras que nos remetem de imediato para o imaginário de Schulze, quer pelo estilo composicional, quer, inclusivé, pelo pastiche flagrante das suas clássicas e reconhecíveis capas.
Porém, apesar da homenagem confessa e do resgate da traça original do mago electrónico berlinense, é possível encontrar pontos de ruptura e diferentes azimutes na música de Adelbert von Deyen.
Enquanto Sternzeit mergulhava na escuridão cósmica e Nordborg revelava um hermético isolamento, o terceiro disco - Atmosphere, de 1980 - abre espaço à luz e deixa-se contaminar por aragens menos rarefeitas e mais expansivas, onde o ritmo assume um papel secundário, mas assertivo.
Time Machine franqueia as portas em cadência motorik e abre alas a uma melodia serpenteante, durante 5 minutos que ombreiam com o melhor dos Neu! e dos Kraftwerk.
A belíssima Silverrain expande a paleta e deixa-se contaminar por bacilos progressivos. Contemplativa e sedutora, a teia sonora expande-se languidamente, evocando reminiscências do psicadelismo dos Pink Floyd e do neoclassicismo progressivo dos Eloy.
Por último, o tema-título e pièce de résistance do disco. Atmosphere é uma peça colossal, que ultrapassa os 30 minutos de duração e se subdivide em 8 fragmentos, oscilando entre a expansão cósmica, a solenidade gótica e a hipnose caleidoscópica. Imensa e ambiciosa, sem nunca resvalar para a banalidade e a redundância, esta composição pode muito bem representar o fim de uma era. Os anos 80 despontavam e a música electrónica começava a descer à Terra, preocupando-se mais com a dança dos corpos humanos, em detrimento da dança dos corpos celestes.
Adelbert von Deyen continuou a produzir discos até ao século XXI - faleceu em 2018 -, progressivamente contaminados pelas tendências do presente e sem a audácia sonhadora do passado. Atmosphere ficará registada, muito provavelmente, como a sua obra de referência.

7 de fevereiro de 2020

Memories Are Made of Hits


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Em Chapter and Verse, o quase sempre cordato e discreto Bernard Sumner coloca, pela primeira vez, as suas memórias em hasta pública. O guitarrista dos Joy Division e voz principal dos New Order mergulha no passado para contar a sua história e a história em torno de duas das maiores e mais influentes bandas de sempre. A questão que se coloca é: seria necessária mais uma narrativa acerca deste tema? A resposta é: se forem todas como esta, claro que sim.
Existe sempre um ponto de vista diferente para cada história e o de Bernard Sumner é particularmente cativante, conseguindo absorver-nos constantemente no relato de eventos que já se tornaram lendários.
Da infância nos subúrbios de Manchester à formação dos Joy Division, do trauma fracturante causado pela morte de Ian Curtis às noites megalómanas da discoteca Haçienda, Sumner dirige-se ao leitor de forma simples e directa, não sendo raras descrições intimistas e episódios anedóticos. Um destes últimos, versando o célebre manager de ambas as bandas, Rob Gretton, merece a devida transcrição: 
"We were invariably late getting to the studio everyday, which was always Rob's fault. You'd try to wake him and, even though he'd asked you to make sure he was up in time, he'd do the same thing to you everytime: his two front teeth were false ones which he'd keep in a glass of water overnight by the side of the bed, and when you'd try to wake him up he'd reach for the glass, take the teeth out and fling the water over you. Every fucking day." Sem dúvida, recordar é viver.
Chapter and Verse privilegia, muitas vezes, a descrição dos artistas em detrimento da arte. Apesar de não faltarem pormenores sumarentos acerca da criação de canções eternas como Love Will Tear Us Apart, Atmosphere, Blue Monday ou Temptation, são os retratos dos criadores que tomam a preponderância. As personalidades, qualidades e defeitos de Tony Wilson, Martin Hannett ou Peter Hook. Os seus egos intermináveis e as suas fragilidades.
O livro termina com a transcrição de uma sessão de hipnose feita por Bernard Sumner a Ian Curtis. E o que fica desse momento resume muito do que este livro revela: tragédia e inocência.