21 de fevereiro de 2020

A Sul do Paraíso

Resultado de imagem para slayer south of heavenApós terem distorcido as leis da velocidade do som no vertiginoso e abissal Reign in Blood, os Slayer abrandaram o ritmo. Tal não significa que o defunto quarteto de Thrash Metal norte-americano tenha amolecido. Mudaram somente as regras da agressão.
South of Heaven, o quarto álbum da banda, prossegue o fogo cerrado do seu predecessor, acrescentando-lhe nuances experimentais e recuperando o negrume torturado e a atmosfera pantanosa de Hell Awaits.
A audição de South of Heaven, passados 32 anos da sua edição original, assemelha-se ainda a uma travessia sombria por paisagens em ruínas e lamacentas, debaixo de um céu carregado.
As guitarras pungentes e voláteis de Kerry King e Jeff Hanneman impregnam o disco de riffs demoníacos e grooves monolíticos. A voz de Tom Araya espraia-se, entre o narcótico e o demencial, não carecendo de pirotecnias para escaldar os tímpanos. Mas é, sem dúvida, a bateria de Dave Lombardo que carrega o álbum nos ombros. É impossível resistir à precisão, mestria e intensidade com que Lombardo trata as peles. Qual polvo possuído pelo Demo, será, provavelmente, a melhor prestação de sempre em estúdio de um baterista de Thrash Metal.
Os quatro temas iniciais de South of Heaven estão entre os melhores alguma vez compostos pelos Slayer. A canção que dá título ao álbum é um monolito pesado e arrastado, que parece abrir caminho por um lodaçal denso, em esforço crescente. A música destila decadência e amoralidade.
Segue-se Silent Scream, ataque maléfico, impiedoso e, sem dúvida, o momento alto do disco. Juntamente com o esmagador Angel of Death - de Reign in Blood -, será, inclusivé, a peça mais incisiva e impressionante do currículo da banda. Três minutos imparáveis, que parecem demorar três segundos e que equivalem a um espancamento de três horas, ao qual não temos forças para resistir. Dave Lombardo é colossal, Araya é gélido e as guitarras cortam como estiletes.
Live Undead deixa-nos recuperar o fôlego por breves momentos. Elogio/elegia à loucura, ecoa sonambulamente até ao grito lancinante que nos atira para um precipício em que as guitarras se degladiam psicoticamente e a bateria é uma descarga propulsiva de adrenalina.
Behind the Crooked Cross é o tema mais directo do álbum. Cinicamente melódico (até trauteável), mas sem perder pitada de agressividade, parece antecipar o advento do Stoner Rock.
Mandatory Suicide e Read Between the Lies mantêm a toada lenta (pelo menos nos padrões dos Slayer) e focam a guerra e a religião, temáticas que, além da sanidade mental, contaminam de sobremaneira o universo do grupo.
Ghosts of War e Cleanse the Soul são os temas que mais se aproximam dos ataques relâmpago do passado, com Dave Lombardo a elevar a fasquia rítmica até à estratosfera.
Pelo meio, surge uma versão densa e enegrecida de Dissident Aggressor, original dos Judas Priest e que assenta como uma luva na desoladora ambiência geral de South of Heaven. Tudo termina com o pesado e hipnótico Spill the Blood, onde guitarras acústicas se intercruzam com eléctricas, a bateria é marcial e a voz de Tom Araya soa como um demónio sedutor mas desapaixonado.
Ao que consta, o quarteto não ficou muito satisfeito com o resultado final do álbum, muito graças à maior acessibilidade sónica da produção. Não obstante, South of Heaven acaba por ser a obra mais variada dos Slayer, conjugando em igual medida momentos perturbantes, violentos e introspectivos. Tal como o supracitado Stoner Rock, os alicerces do Sludge Metal começaram a ser erigidos aqui, pelo melhor e mais sólido colectivo da história do Thrash. Pese embora reformado, o seu legado soa mais demencial e pertinente que nunca nestes tempos conturbados.