Os Stooges tomaram de assalto o Rock norte-americano em 1967, dois anos antes do lançamento do seu lendário e seminal álbum homónimo. Em contra-corrente com a onda flower power da época, o quarteto formado por James Osterberg, Dave Alexander e os irmãos Scott e Ron Asheton ganhou notoriedade pelos seus concertos intensos e performances incendiárias. Muito contribuiu para esse (e)feito a presença em palco do vocalista James Osterberg, anteriormente membro dos Iguanas, banda onde adquiriu o nome que o tornou reconhecido universalmente - Iggy Pop.
O primeiro álbum dos Stooges reflectia, acima de tudo, um mal-estar latente na sociedade americana, principalmente da sua juventude. Temas como 1969 ou No Fun evidenciavam a corrosão interna provocada pela guerra do Vietname e o entorpecimento geral na ressaca de uma década extasiante.
A música era urgente, pesada e visceral. Agressiva mas emotiva. Um grito de revolta e chamada de atenção. Justamente, o disco de estreia de Detroit foi apelidado proto-punk, lançando as sementes para a germinação das bandas rebeldes que se seguiram. Depois deste Punk avant la lettre, nada seria como antes na música popular.
Um ano depois, em 1970, os Stooges provaram não ser uma banda cuja fórmula se esgotou num poderoso e irrepreensível álbum de estreia. O retorno com Fun House é o pináculo da carreira do grupo, um disco genialmente dilacerante, onde a crueza anterior se torna refinada através de uma produção de estúdio certeira, que capta na perfeição o som vívido da banda e que atinge todos os pontos nevrálgicos.
Down on the Street abre o pano com um Blues gingão que se metamorfoseia em Rock duro, delapidado pela guitarra incisiva de Ron Asheton. Tal como o propulsivo 1970, cuja secção rítmica em transe permite à guitarra rasgar seda como uma adaga.
Os gloriosamente caóticos e intensos Loose e T.V. Eye arrastam o ouvinte para um abandono eléctrico, difícil de recuperar e ao qual apetece sempre regressar e dançar até ao esquecimento. Ainda hoje existem dúvidas se Iggy Pop chegou ao fim de T.V. Eye com a laringe inteira...
Dirt é o único momento de relativa calmaria no turbilhão violento de Fun House. Mas igualmente o mais sombrio. Lenta descida por uma espiral sleazy e narcótica, alcança o mesmo nível de pungência e catarse dos restantes temas.
O tema-título coloca na linha da frente o saxofone feérico de Steve Mackay, músico cujos préstimos garantem um travo ainda mais nocturno e urbano a um disco que tresanda a claustrofobia metropolitana. O cunho jazzístico de Fun House é elevado ao extremo na peça que encerra o álbum. L.A. Blues deixa para trás toda a esperança e sorve-nos para um abismo cacofónico e catatónico, em que Rock e Jazz esgrimem argumentos em furioso improviso.
Mais de 50 anos após a edição de Fun House, é impossível não ficar impressionado e esmagado pela sua ferocidade e intensidade. Além de ser a obra-prima dos Stooges, é um dos melhores discos de Rock de todos os tempos. Muitos tentaram imitar a sua magia negra e fulgurante. Nenhum deles conseguiu.