A meditativa Karlchen é uma peça minimal e esparsa, sustida por uma guitarra a conta-gotas e uma flauta sonolenta. A voz declamatória de Renée Zucker recita qualquer coisa que parece ser interessante e abre alas a um interlúdio de sopros reminiscente dos Pink Floyd de Ummagumma ou de Atom Heart Mother. Da boa fase, pois claro... Os olhos pesam novamente e o tema retorna ao entorpecimento nos últimos minutos, pingando languidez. Segue-se a breve Englischer Walzer, tema inebriado por um piano boémio e um violino fugídio, como se tivesse a ser tocado dentro de uma caneca de cerveja. A fechar, retorna a folk de pendor mais tradicional na prazenteira Nimm doch einen Joint, mein Freund. As vozes de Witthüser & Westrupp ecoam sobre os instrumentos cem por cento acústicos, dando o toque psicadélico que percorre transversalmente este esplêndido álbum. Mais que krautrock, será talvez, e como já foi chamado, krautfolk. Trips und Traume é um disco que tem tanto de transcendental e cósmico como de apego à terra, sendo uma fonte magnífica de relaxamento, quer para viagens mentais, quer para sonhos despertos.
13 de outubro de 2009
Kosmische Kosmetik IX
O que transparece dos instantes iniciais de Lasst uns auf die Reise Gehn, tema que abre o álbum Trips Und Traume da dupla germânica Witthüser & Westrupp, é uma ambiência pastoral, temperada por uma brisa campestre e uma instrumentação de ecos medievos. Típica balada folk, límpida e despojada, esta canção é um ténue e insuspeito indício do que está para vir. Antes de se juntar a Walter Westrupp, Bernd Witthüser tinha assinado já um disco, à margem dos territórios ocupados pelo krautrock, mui teutonicamente intitulado Lieder Von Vampiren, Nonnen Und Toten. Esta era uma obra centrada na folk acústica e no imaginário alemão mais mítico e popular, dos vampiros à encantada Floresta Negra. Trata-se de uma obra menor, mas curiosa, um bordão para deambulações rurais em climas outonais. Ao que tudo indica, o encontro entre os dois músicos tê-los-à levado, felizmente, a maus caminhos. Se, ao primeiro tema, Trips Und Traume parece seguir as pisadas do seu antecessor, a maratona herbal (ou lisérgica?) que se segue faz do disco uma das experiências mais psicadélicas que a folk terá conhecido, independemente do país de origem. Trippo Nova revela-se a partir do nome: quase se adivinha que estes rapazes, enraizados na música de pendor acústico, se dedicaram a provar algo que os fez transcender em muito os seus horizontes. A trip está indubitavelmente presente ao longo dos nove minutos desta peça, manietada por uns blues dolentes e viciantes, com solos intermitentes de guitarra acústica e uma vocalização arrastada. Lá atrás, uma voz feminina sussurra, a espaços, sem articular qualquer palavra. O sonho propaga-se em Orienta, que germina a partir de uma flauta enevoada e solitária num crescendo de cordas arabescas. Pelo meio, récitas em alemão e nuances dançantes que nos transportam para paragens orientais. Em pleno ano de 1972, esta dupla imiscui-se brilhantemente na folk mais progressiva e psicadélica e parece, nos interstícios desta peça, lançar sementes para projectos como os Dead Can Dance. Illusion I faz cair as sombras sobre nós. Tema belíssimo, envolvido por uma aura épica e nórdica, é arrepiante na melancolia que dele brota. Sentimo-nos a vaguear pelos átrios gélidos de um qualquer castelo abandonado, em que as paredes parecem respirar e em que a vida ainda se adivinha para além da decrepitude. Magnífico e intemporal...