Introitus abre o disco em dormente toada folk, muito ao estilo dos já aqui referidos Yatha Sidhra, mas com esgares de lamento. Guitarra acústica, flauta e percurssão unem-se num todo envolvente, até que o ritmo se esboroa num órgão litúrgico, entregue em sucessivos mantos de uma beleza tranquila, mas fria. No final, espírito e carne parecem fundir-se e o tema termina num misto de dissonância e improviso. Uma introdução intermitente e espectral dá início a Silence, tema possuído por uma dolência fantasmagórica, à qual não é alheia uma distante voz feminina que se projecta num misto ilusório de prazer e sofrimento. À medida que a faixa avança, as coisas tornam-se progressivamente mais estranhas e alucinogéneas. Há uma brecha a meio do tema que deixa entrar devaneios electrónicos na melhor veia de Stockhausen ou da música concreta de Pierre Schaeffer, enquanto que uma corda de guitarra é pontualmente dedilhada, como que a tentar manter contacto com a realidade. E no fim, ressurge aquele órgão, ora claro ora escuro, a seduzir como canto de sereia...
Segue-se o tema-título, que se ergue lentamente das profundezas, para se cristalizar numa serena melodia, escura como sempre, mas sem assustar. Acústica e electrónica dançam abraçadas ao longo desta peça, cadente e hipnótica, interrompida para dar lugar à récita do enigmático poema que surge integralmente transcrito na capa do álbum. Uma flauta esvai-se docemente e Edge Of Time acaba por voltar às profundezas num requiem de electrónica arcaica.
Perante o que ouvimos, não é de admirar que a faixa que encerre o álbum se intitule Dream. De novo, a música mais vanguardista e experimental funde-se com a placidez despida da guitarra clássica e da percurssão manual. Dream vagueia em transe mortiço por caminhos obscuros até ser cortada abruptamente e substituída pelo improviso visceral de um xilofone desconexo, de sons manipulados e de colagens electroacústicas, como se as imagens oníricas até agora prazenteiras resvalassem para o inominável, para o radical, para um artefacto de Dalí. Ou como se uma boa trip se transformasse numa má trip...
Os Dom, seguindo a (in)coerência de tantas outras bandas desta época, editaram apenas este álbum, que viu a luz em 1970. Aquando da sua reedição em CD em 2001, ao disco original foram agregadas cinco peças. A primeira, dividida em quatro partes e intitulada Flötenmenschen, foi gravada em 1972 e centra-se no cariz mais electrónico / experimental da banda, apresentando-se como uma sequência de drones sombrios e electroacústica atonal, invadidos a espaços por uma percurssão pungente mas longínqua. Let Me Explain 5, tema de 1998, reintroduz o grupo como entidade praticante de algo parecido com electrónica industrial, quase reminiscente dos primórdios dos Cabaret Voltaire ou dos Coil. Bem longe, assim sendo, da alucinose reflexiva dos primeiros tempos, mas não menos aconselhável.
Como epílogo, cai bem dizer que este disco consegue colocar-nos em vários estados de consciência consoante o nosso próprio estado mental no momento em que o procuramos. Pode desorientar. Pode promover deslocações mentais. Pode fazer com que nos percamos (ou encontremos...) dentro dele. Em suma, possui muito boas contra-indicações. Uma obra-prima absoluta.