Os dois primeiros álbuns de originais, lançados, respectivamente, em 1970 e 1971, valem acima de tudo pelas fortíssimas composições individuais. Canções frágeis, de base folk, mas adornadas a espaços por uma solenidade e uma grandiosidade orquestral avassaladora, o que acentua ainda mais a fragilidade dos seus alicerces.
Bill Fay é uma obra-prima de canções outonais e chuvosas, por vezes circunspectas, feitas de tristeza resignada, de amores escorregadios e existências marginais. São 13 os temas que a compõem, todos uniformes na mestria da composição e na carga emotiva da entrega. Bill Fay soa como um Bob Dylan a quem emprestaram a orquestra de Scott Walker por alturas do magistral Scott 4. The Sun is Bored começa como uma nuvem a cobrir o Sol, até ribombar como um trovão e terminar com as palavras And the sun goes down / Never to rise again. Sing Us One Of Your Songs, May é uma belíssima elegia a mais uma jovem e incógnita vida perdida na guerra. A mesma temática prossegue na amargurada Gentle Willy, onde a visão das batalhas e da morte persegue inexoravelmente a sua figura central. Methane River é um hino à luta contra a adversidade, de poema simples que a melodia exacerbada torna comovente. Em peças de pouco mais de 2 minutos, Bill Fay consegue ser o mais expressivo dos trovadores, imerso em melodias lindíssimas e espectrais, inesquecíveis para os espíritos mais dados ao romantismo. The Room, Goodnight Stan, Cannons Plain, são pequenos monstros, absurdos no tamanho da sua intensidade e beleza. Be Not So Fearful tem sido alvo de cover várias vezes por uma das mais respeitáveis bandas americanas da actualidade, os Wilco, o que prova que este grande homem só influencia pela positiva. Esta primeira obra termina na mesma toada fatidicamente bela com Down to the Bridge, canção para ver um riacho a passar em dia de Inverno, sob ponte de pedra...
Time of the Last Persecution, o segundo álbum, é invadido, suavemente, por investidas eléctricas e alguns floreados blues-rock. Nesta toada, a abertura feita com Omega Day é deliciosa. Contudo, o disco não se deixa vislumbrar como uma peça mais luminosa que o seu antecessor. A prova surge logo na claustrofobia triste do segundo tema, o dorido Don’t Let My Marigolds Die. ’Til The Christ Come Back e Plan D são canções de redenção após a tentação ou a imersão no pecado. A canção de protesto mostra os caninos aguçados subtil mas magistralmente em Pictures of Adolf Again e Come a Day. Isto sem esquecer o penumbrento mas quase messiânico tema-título e o final impregnado de doce melancolia de Let All The Other Teddies Know.
Para além destes dois álbuns, Bill Fay lançou somente um single. Lançado em 1967 e constituído pelos duplos lados A Some Good Advice e Screams In The Ears, é uma belíssima porta de entrada a este génio ostracizado da música britânica. Um terceiro álbum, Tomorrow Tomorrow & Tomorrow, foi gravado em finais de 1970 mas somente lançado em 2005 pela mão de outro fã, desta feita David Tibet, testa de ferro dos apocalípticos Current 93. Sobra ainda a compilação de raridades From The Bottom Of An Old Grandfather Clock, editada em 2004. Tudo material altamente aconselhável deste sombrio e fugidío baladeiro inglês. Mas nada como as duas primeiras obras para apreender a experiência em pleno e, na mais feliz das circunstâncias, ficar viciado nela.
P.S.: Dada a parca informação existente acerca do bardo, vale a pena dar uma espreitadela ao único site que lhe é inteiramente dedicado. http://www.billfay.co.uk/ contém uma biografia decente, assim como a discografia e as letras completas.