Antes do regurgitante negrume gótico dos Birthday Party e muito antes da redenção pelo Espírito Santo de Nick Cave e consequente evangelização dos Bad Seeds, irromperam fugazmente os Boys Next Door. A primeira banda de Nicholas Edward Cave foi formada em meados dos anos 70, em conjunto com o ubíquo companheiro de grande parte da sua carreira, Mick Harvey, começando por ser uma banda de covers Glam e New Wave. A sua identidade própria apenas se afirmou e vincou em finais dessa década, muito em parte devido à entrada do carismático e suavemente cadavérico Rowland S. Howard e da sua distinta guitarra. O apogeu deu-se em 1979, com a edição do único álbum do grupo, o monolítico Door, Door. À primeira audição parece estarmos perante um mascar e cuspir de influências, dos Stooges aos Roxy Music, dos New York Dolls aos Television; um disco de colegiais sempre a rasgar, feito de urgência adolescente, ritmos frenéticos e melodias contagiantes. Mas há muito que diferencia os Boys Next Door de serem arrepiantemente etiquetados como os Green Day da sua época. Em primeiro lugar, a voz de Nick Cave a dar os primeiros mas seguros passos em direcção ao fundo da caverna, as suas letras já pejadas de uma paranóia insinuante e de uma angústia juvenil, mas, a espaços, dilacerante. Em segundo lugar, a guitarra de Howard, que preenche os temas de uma palpável mas subtil sofisticação que, na sua ausência, seria pálida e magra. Os trejeitos verlainianos de After a Fashion e a alta tensão de Somebody's Watching Me ou The Nightwatchman são pontos a reter. I Mistake Myself é humoradamente tétrica, fria mas ainda longe do ambiente de câmara frigorífica de alguns temas dos futuros Birthday Party. The Voice e, em particular, Friends of My World, são mini-épicos de escassos minutos, punk na intenção, solenes na entrega. Curiosamente, o tema que mais se aproxima da estética de Nick Cave actualmente (re)conhecida, foi escrito por Howard, encerra o álbum e intitula-se Shivers. É uma daquelas peças que deveria ser obrigatória por lei em qualquer quarto de adolescente que sofreu o seu primeiro desgosto de amor e está à beira de tomar uma caixa de Rohypnol regada a Super Bock. Ainda hoje perdura como uma balada magistral, perfeitamente construída, em que a guitarra difusa como uma dor indecifrável consegue mesmo arrepiar a espinha.
Toda a gente sabe, ou deveria saber, o que aconteceu a seguir na vida destes rapazes. Nada do que aqui está seria repetido. As coisas tornaram-se progressivamente mais negras, Cave tocou o fundo do abismo com uma agulha no braço, retornou como prova palpável da salvação de Jesus Cristo e, na actualidade, é um dos melhores escritores de canções que o mundo já conheceu. Algumas das mais curiosas, directas e improváveis estão neste disco. Um artefacto nostálgico a estimar.