Os Housemartins trazem-me deliciosas memórias de infância. De tempos sem responsabilidade e horários / prazos para cumprir. Algo que só atingirei novamente se conseguir uma reforma que pague um bom Lar ou o seu sucedâneo moderno denominado Residência Assistida. Tal como o tempo, que avança inexoravelmente, assim esta simpática banda de Hull presenciou a sua desagregação. Este desmembramento levou a que o quasi desconhecido baixista Norman Cook se tornasse a maior estrela do fugaz movimento Big Beat sob o pseudónimo Fatboy Slim e que o quasi líder da banda Paul Heaton se afirmasse como um dos maiores compositores da pop britânica das últimas duas décadas. Em conjunto com o sobrevivente Dave Hemingway, este último formou os Beautiful South, um cocktail musical em que a doçura disfarça o álcool inerente e em que as melodias açucaradas disfarçam igualmente a amargura latente.
Ao mencionar os Beautiful South, é mais que provável que, por arrasto, venham a lume clássicos cantaroláveis como A Little Time, Perfect 10, Rotterdam (or Anywhere) ou Old Red Eyes is Back. Aos mais atentos, surgirá nitidamente a distinção flagrante entre a doçura da música e o azedume das palavras. É este contraste agridoce que transforma os Beautiful South numa banda potencialmente incomodativa, daquelas que choram por detrás da máscara de palhaço. Paul Heaton não é, nem nunca será, Elvis Costello e, nem por sombras, pretende sentar-se no trono desfeito de Ian Curtis. No entanto, a sua (distinta e sincera) voz toca pela triste plausibilidade das histórias que conta. São histórias que, ao mesmo tempo, nos pertencem tanto como aos personagens que as povoam. Ninguém aqui sai defraudado da realidade, por mais afastado que se considere dela. Alcoolismo, desemprego ou divórcio são temáticas na ordem do dia, sempre entregues na mais polida das formas, como se a resignação fosse a única arma possível e a doçura a prova que isenta a culpa de se ter nascido para este destino. Se não, escutem-se temas como Especially For You, Pockets, Window Shopping For Blinds, I May Be Ugly ou a belíssima versão de Everybody's Talking de Harry Nilsson na voz de Jacqui Abbott.
Na melhor tradição britânica, o sentimento auto-depreciativo sempre povoou a literatura e, na sua quota parte, a música. A crítica social idem. Mas, enquanto singer-songwriters como Ray Davies nos fazem pensar ainda bem que não sou como eles, Paul Heaton faz-nos desejar espero que isto não me aconteça a mim. Salva-se uma ou outra canção de amor, simples mas pungente como as demais. Dumb é um magnífico exemplo. Prettiest Eyes é outro. Este último, no entanto, bastante especial. Nos meus tempos de faculdade, havia um minúsculo contingente acerrimamente adepto desta banda. Inseguros e cínicos em relação ao futuro que os esperava. Esta cantiga homenageia-os directamente, assim como a cidade que muito aprecia estes ingleses e que, pelos vistos, estes ingleses apreciam muito...