Um contrabaixo meditabundo estende o tapete a Go Down Easy, canção trémula em que a folk e o jazz se imiscuem na perfeição. Um baixo meio funky e uma guitarra semi wah-wah encetam a travessia vincadamente ritmada e fortemente inebriada de Dreams By The Sea, até que o piano eléctrico, sonolento e às apalpadelas, põe termo à excitação.
Chega a vez de May You Never, hino à amizade e um dos temas mais belos e emblemáticos do álbum, terno e despojado, em que a guitarra, ora golpeada, ora dedilhada, e a voz sentida de John Martyn chegam e sobram para as encomendas. A bruma e as sombras envolvem-nos e trepam por nós em The Man In The Station, perfeita ode a solitários que vagueiam pelas ruas nas horas mortas da noite. O disco termina em toada mais tradicional e alegre, com a dupla The Easy Blues / Gentle Blues. A primeira mostra bem a influência de Hamish Imlach, homem da folk mais aguerrida que lançou Martyn; a segunda é um quase um breve trecho cujo intuito é colocar ponto final no disco. E fá-lo com a qualidade e o génio de tudo o que ficou para trás.
Solid Air foi considerado, com o habitual e histriónico valor acrescentado que os britânicos colocam quando formulam algumas opiniões artísticas, como o primeiro disco de trip-hop de sempre. Facto é que o influente radialista Gilles Peterson, homem mais vocacionado para danças e electrónicas, coloca amiúde o tema-título no éter. Mas isto não se aproxima da realidade, apesar de não andar totalmente fora dela. Solid Air é um álbum de ambiências extremamente carregadas, narcóticas até. Como terapêutica relaxante e entorpecente encontra pouca rivalidade. Trata-se, indubitavelmente, de um dos grandes discos britânicos do século XX, que, reedição após reedição (a última teve lugar este ano, poucos meses após a morte do seu autor) ainda mantém a traça original e não precisa de mais que os seus primeiros 9 temas para encantar e arrebatar para a eternidade.