Mike Patton é dono de uma elasticidade vocal que faz dele o candidato favorito a cantor mais versátil da actualidade. Desde os tempos dos Faith no More, passando pelos Mr. Bungle, Peeping Tom e mais de uma dezena de side projects e colaborações, a voz do norte-americano tem sido o sangue, o suor e as lágrimas de muitos discos. Em termos de carreira a solo, Patton possui somente dois trabalhos em nome próprio, ambos editados pela Tzadik. O primeiro, Adult Themes for Voice, data de 1996 e é puro experimentalismo do primeiro ao último acorde (aqui faz mais sentido dizer grito ou suspiro); o segundo, Pranzo Oltranzista, foi editado no ano seguinte e, apesar de desafiante e radical também não é disco para colocar em baile de finalistas. A menos que os colegas sejam aduladores de Luigi Nono ou do John Zorn mais terrorista.
Agora, em 2010, Mike Patton oferece às massas a sua terceira obra a solo. Tendo em conta as anteriores, poderíamos intuir que a travadinha lhe deu de vez. O disco, intitulado Mondo Cane, vê a luz no seguimento de uma série de concertos Europa fora em que Patton interpretou canções populares italianas dos anos 50 e 60, acompanhado de grande orquestra a condizer. Mas, para quem já deu voz a uma dedicatória a um carro chamada Caralho Voador, encantou com a versão de I Started a Joke dos Bee Gees (ambas nos Faith No More) e fez uma banda-sonora para um livro de BD em que cada tema corresponde a uma página do mesmo (Suspended Animation dos Fântomas), isto é apenas o percurso (i)lógico de um magnífico, descomprometido e tentacular artista.
Mike Patton não é desconhecedor da cultura italiana (foi casado durante anos com uma transalpina). Neste sentido, a escolha dos temas é tão precisa quanto variada e a interpretação é levada a cabo in italiano perfetto. O que faz diferir Mondo Cane de um simples disco de covers é a versatilidade e o toque muito próprio que o cantor lhes confere. Pegando em melodias charmosas, românticas e até mais sombrias, de roupagem predominantemente jazzística e easy listening, Patton consegue sempre infectá-las com o seu talento experimental e desconstrutivista. Ore d' Amore é uma canção belíssima, que o croon do californiano torna ainda mais intensamente dramática; o mesmo se passa com Il Cielo in una Stanza. Num crescendo tremendo, Patton chega ao refrão a carregar impiedosamente nos erres, como que a fazer pequenas maldades a uma melodia irresistível. São estas pequenas malícias e subversões que estimulam cada tema e que não tornam o disco uma espécie de Tony de Matos para a Geração Facebook. Che Notte! é música para casanovas de fato branco e brilhantina em diabruras pela noite, mas que transporta para o imaginário dos cartoons. Urlo Negro vem lembrar que o homem ainda é dotado da capacidade de soltar uns belos urros metaleiros e relembra o demencial e magistral California dos Mr. Bungle. Senza Fine é um slow que se dança a altas horas da noite e soltado com voz sibilina, intoxicada, que parece escarnecer do amor tanto como desejá-lo com urgência.
Mike Patton gerou um disco magnífico, de romantismo distorcido, caricatural até. A voz reina, livre e assombrosa, por entre a catadupa de arranjos. Pode trazer reminiscências de um passeio sob o luar pela elegância esparsa da Piazza Navona ou pela luz alva que irradia da Fontana di Trevi. Mas a polaroid que se tira do momento é transgredida por cores garridas e a Lua observa com um sorriso vampiresco...