O nome completo deste álbum de estreia é Irrlicht: Quadrophonische Symphonie für Orchester und E-Maschinen. Trocado por miúdos, o que Schulze construiu foi um conjunto de peças longas e estáticas, moldadas a partir de um órgão eléctrico preparado e de gravações ensaiadas e distorcidas de uma grande orquestra sinfónica. Ao fazer o som regurgitado da miscelânea transbordar pelos poros de um amplificador danificado, resulta um latente, hipnótico e obsessivo eco fantasmagórico dividido em três Movimentos (Satz).
O primeiro, Satz: Ebene, inicia com um gemido de violinos distantes e trémulos, sucessivamente desfeito pelo lento (e pejado de sombras ominosas) órgão amplificado. O tema faz ressoar Ligeti e, mais actualmente, evoca Gorecki, dois compositores aos quais o macabro e o trágico não são desconhecidos. A estática e sombria sonoridade tanto nos pode levitar para remotas paragens cósmicas como nos pode fazer planar sobre as ruínas da bombardeada e desoladora Dresden.
O segundo andamento da sinfonia, Satz: Gewitter, inflecte flagrantemente por territórios da música concreta, tendo como semelhanças com a electrónica somente os laivos reminiscentes dos primeiros experimentos de Stockhausen neste campo. É o momento mais breve do álbum e também o mais pulsante, aquele onde mais se sente o expelir de energia de Irrlicht (alemão para fogo-fátuo).
A terceira e última parte intitula-se Satz: Exil Sils Maria. Trata-se, sem dúvida, de uma das peças mais espectrais e mentalmente penetrantes da kosmische musik. Autêntica viagem ao lado oculto da Lua, este tema só consegue ser rivalizado na sua lenta e densa dança sideral pelas quatro partes do enorme Zeit dos Tangerine Dream. É um drone de 20 minutos que não é deste mundo, ou que, pelo menos tenta não ser. E consegue-o na perfeição. Um facto curioso é que Sils Maria era a localidade suiça onde Nietzsche passava a maioria dos Verões. Especulando um pouco, podemos traçar um paralelismo entre esta peça e Also sprach Zarathustra do conterrâneo de Schulze, Richard Strauss. Para além da referência ao filósofo, há que lembrar que esta última é o tema fulcral de 2001: A Space Odyssey de Stanley Kubrick, filme em que a música de Klaus Schulze se sentiria, igualmente, como peixe na água...
Na reedição de 2005 do álbum, foi acoplada uma quarta faixa, denominada Dungeon. Fora do contexto do álbum que o acolhe, o tema, longo e vagaroso, aparenta já similitudes electrónicas com o que Schulze viria a fazer em breve, neste caso, no mais expansivo Cyborg.
Pedra basilar na afirmação de Klaus Schulze como artista a solo, Irrlicht é um marco na criatividade do músico, que conseguiu, com poucos meios mas muito engenho, criar uma obra à frente do seu tempo. Ainda hoje, 38 anos passados desde o seu lançamento, é uma escuta nada convencional e capaz de pôr em órbita mesmo o ouvinte que tenha os pés bem assentes na Terra.