Compositor e intérprete de eleição para os praticantes e entusiastas da folk mais desviante da actualidade, Roy Harper carregava já o peso de quatro álbuns no momento da edição de Stormcock, em 1971.
A sua obra, erigida desde 1966, assentava em canções folk puras e duras, contaminadas não raras vezes pela electricidade do rock. Os discos lançados até essa altura não podem ser apelidados de geniais, valendo mais por composições individuais que, aqui e ali, surpreendem e encantam, que pelo seu todo. Another Day, por exemplo, constante do seu quarto álbum, Flat Baroque and Berserk, emerge do nada e arrebata-nos como uma das baladas mais etéreas e absurdamente belas que a folk britânica alguma vez ofereceu.
Tido como personagem um pouco excêntrica e lunática, Harper chegou a ser homenageado pelos admiradores e amigos Led Zeppelin no tema Hats Off to (Roy) Harper, algo estranho e raro para um homem que preza a guitarra acústica mais que tudo.
É esse sentimento de desprendimento do real e do concreto, de favorecimento do sonho e das possibilidades da experimentação, que povoa Stormcock. O mesmo é composto por apenas quatro peças, extensas, inventivas e surpreendentemente arty. O cantor apresenta-se sozinho à guitarra a maior parte do tempo, fazendo apenas uso pontual de um Hammond espectral, de uma segunda guitarra e de subtis orquestrações. As canções, gentis, suaves e oníricas, fluem como nuvens, como as águas calmas de um rio, ricas em variações de tom e emoção, dominadas por uma incrível mas tranquila mestria das seis cordas e pela entrega poética da voz. Podemos chamar a The Same Old Rock e a Me and My Woman folk progressiva ou folk esotérica, pois a música expande-se e expande-nos, parecendo saída de um plano irreal, algures entre o medieval e o místico. Igualmente inspiradas e poderosas são Hors d' Oeuvres e One Man Rock'n'Roll Band. O tempo estica e encolhe ao sabor das cordas da guitarra e da dolência algo narcótica da voz, ambas a susterem o nosso peso até que a sensação de gravidade se perca, para que partamos livres de amarras nesta ímpar travessia musical.
Joanna Newsom, Devendra Banhart, The Sunburned Hand of The Man, todos devem algo a Roy Harper e a Stormcock. O título do álbum evoca um pássaro inglês, que costuma fazer ouvir o seu canto de lugares cimeiros, geralmente quando está mau tempo ou durante a noite. E esta será, indubitavelmente, a melhor descrição de Roy Harper neste disco de excelência. Para ouvidos curiosos, corajosos e com tempo a perder para se perderem nos meandros desta densa floresta de sons.