É uma obra discreta, nocturna e algo misteriosa. Arrasta consigo um luar majestoso e uma aura de film noir. Possui a estrutura de uma sinfonia clássica, com os seus dois temas subdivididos em 3 movimentos cada, ouve-se como um disco de rock progressivo e sente-se como um disco de jazz. Parece confuso, mas quando chegamos a It's About Time, segundo movimento da circular In a Silent Way, tudo se conjuga com uma limpidez ofuscante. Piano eléctrico, guitarra eléctrica, órgão, trompete, baixo e bateria fundem-se, complementam-se, afastam-se e enlaçam-se, soprando-nos ao ouvido que estamos perante a mais bela abstracção musical que foi inventada. Algo intemporal e indefinido, mas que não apetece parar de ouvir, tal como olhar para um quadro de Jackson Pollock e não tentar explicar. Antes disso, embrenhámo-nos na cinemática e hipnótica Shhh/Peaceful, peça que se move como um felino na noite, deslizando pelas sombras como a trompete de Miles e sempre de atalaia como os címbalos incessantemente varridos de Tony Williams. É música pintada de negro e azul, quente e sensual, uma especiaria sonora.
In a Silent Way é um disco para ser ouvido do princípio ao fim, sem interrupções que quebrem a espiral do seu círculo e o feitiço que conjura. O seu ecletismo transforma-o num disco para noites solitárias, para um whisky à média-luz, ou para fazer ressoar como seda em íntima cumplicidade. A partir daqui, já não sabemos se podemos continuar a chamar jazz à arte de Miles Davis. Sabemos, isso sim, que se seguiu uma imensidade de música genial, única e pioneira. Acólitos fiéis como Jaga Jazzist ou Cinematic Orchestra ainda andam por aí a comprová-lo...