3 de abril de 2011

Garage Days III

"Their name is Love but they are Hate." Esta expressão foi usada para definir os Love, uma das bandas mais geniais de sempre, que fundiu elementos de garagem, psicadelismo e barroquismo pop como mais ninguém. Os Belle & Sebastian não existiriam sem eles, assim como o reverenciado primeiro disco dos Stone Roses e Michael Head teria sido mais um post-punker inconsequente em vez de criar os belíssimos Pale Fountains / Shack. O colectivo que nos levou a um passeio pela perfeição no intocável Forever Changes brotou de poderosas ervas daninhas e começou por florescer num álbum homónimo do tipo bikini: curto, atraente e que focou os pontos essenciais.
Love, editado em 1966, é um disco que cruza o imediatismo e a urgência do Garage Rock com a sensibilidade da melodia e a arquitectura da canção concisa e perfeita. O malogrado Arthur Lee, eterno símbolo desta entidade, projecta já a sua mente torturada em temas agridoces, de sol enganador e sombras ominosas. O ódio dos Love sente-se nas palavras que repercutem o Vietname, as drogas pesadas ou a inutilidade do emergente sonho hippie. A música crava as unhas em elementos que vão da folk ao que agora é politicamente correcto chamar proto-punk (e que mais não era que raiva latente).
My Little Red Book transforma a temática pinga-amor do original de Burt Bacharach em sátira política, graças à compatibilidade com o Livro Vermelho de Mao Tsé-Tung e à carga eléctrica que lhe é inflingida. Signed D.C. é uma sombria incursão pela câmara escura da heroína, homenagem ao falecido ex-baterista Don Conka. O quarto é escuro e frio, mas há um prazer algo voyeurista em ficar à porta a contemplá-lo, pois a canção é memorável. E a memória mais propensa a néctares musicais nunca poderá descurar peças intrépidas como A Message to Pretty, Softly to Me ou You'll Be Following. Can't Explain e o ataque de nervos à clássica murder ballad Hey Joe apresentam-se menos polidas e mais garagistas na entrega.
Tudo é sangue na guelra neste disco, o prenúncio de mágicas, mas tortuosas, glórias futuras. Arthur Lee e o seu clã olham-nos de frente na capa de Love, rodeados de pedra e vegetação em seu redor. O local era a antiga casa de Bela Lugosi, onde o grupo viveu em comunhão os seus primeiros anos. Os olhares parecem dizer que, tal como a melhor encarnação de Drácula, esperam pacientemente para nos sugar o sangue. E nós, sofregamente, oferecemos o pescoço...