É graças a Plux Quba - Música para 70 Serpentes, que se perdoa a Nuno Canavarro ter colaborado temporariamente com os horrendos Delfins. Este disco de 1988 é uma estranha e fascinante contribuição para a génese da verdadeira música alternativa lusa.
Produto da originalidade visionária da Ama Romanta é, mais que tudo, um produto superlativo da mente do seu autor. Um disco que carrega quase um quarto de século de existência, mas que soava na altura como Fennesz, Ryoji Ikeda ou Alva Noto soam hoje. Mas na altura não se falava em coisas como Glitch e o uso da electroacústica não era considerado tão moderno como agora. Fora do reduzido circuito de adeptos nacionais do experimentalismo, quase ninguém o ouviu. Quase? Talvez não...
Passados todos estes anos, o que continua intacto em Plux Quba é o estranho poder de encantar e inquietar em simultâneo. A música não é fácil, mas não sobrecarrega os neurónios sem os conseguir penetrar. Não é simples, mas também não necessita de se impôr com o engenho de um sofisma. Acima de tudo, é um idílio electrónico, um sonho diurno sintetizado. As memórias arcaicas e distorcidas de um ser humano organizadas por precisas mãos cibernéticas.
Há uma ponte constante, que muitas vezes evolui para simbiose, entre a dimensão humana e a dimensão virtual. Entre o real e as suas possibilidades. Aqui, as várias possibilidades de olhar a realidade saem sempre vitoriosas, como se a percepção que transborda fosse sempre a imaginária. A grande parte dos temas de Plux Quba não tem título. O anonimato acentua a abstracção e projecta-nos no domínio da sensação pura. O quarto e o último temas são particularmente belos e evocativos, algo que não soaria deslocado nas Music for Films de Brian Eno. Há vozes que surgem, a espaços, acentuando o convite à introspecção e à exploração do próprio inconsciente, como em Wask e Cave, ou nas regressões espectrais de Crimine e Bruma. Todos eles magníficos, por sinal... E sobram resquícios de electroacústica, musique concrète e da tal electrónica desarrumada e imperfeita que tanto eco faz hoje, por exemplo na Raster-Noton. Esta é apanhada em flagrante delito nos sexto e sétimo temas sem-título, tal como em Wolfie e n' O Fundo Escuro de Alsee. No fim, voltamos a duvidar que isto tenha vindo ao mundo em 1988. E que ninguém tenha dado por isso. Mas deram. Os alemães Mouse on Mars citam Plux Cuba como uma grande influência nas suas próprias obras e o disco foi alvo de reedição por outro convertido confesso: Jim O' Rourke, que tratou de reeditá-lo através da sua editora Moikai em 1998. É redundante considerar a obra mais famosa de Nuno Canavarro como um dos discos de referência da música de vanguarda portuguesa. E é preferível ouvi-lo agora, tarde e a más horas, que ser vencido pelo esquecimento.