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Os vários tons de cinzento supracitados não significam que podemos retirar aleatoriamente qualquer obra a solo do nipónico para demonstração das suas artes. Apesar da aparente imutabilidade do estilo, há nuances que os demarcam. A escolha (pessoal e subjectiva) para levantar um pouco do véu negro e translúcido da música de Keiji Haino recaiu sobre I said, This is the Son of Nihilism - disco de 1995, reeditado em 2003 e com a chancela de qualidade da Table of Elements.
É um delírio com uma hora de duração, comparável ao infame Metal Machine Music de Lou Reed ou aos drones de Stephen O'Malley e do igualmente nipónico Merzbow. A guitarra, hoje e sempre o instrumento de eleição do músico, precipita-se em queda livre, em direcção às trevas, em danação sonora. A acompanhá-la, apenas a voz de Haino, liberta de palavras, num lamento intermitente de anjo caído. Um quarto de hora depois, a queda é amortecida e amparada por mão invisível, o peso transforma-se em pena, o suplício extingue-se. A guitarra adopta a posição fetal, a música é intra-uterina, a voz um suspiro gritado. A partir daqui, a sucessão entre ordem e entropia instala-se. À paz ilusória segue-se a catarse e o nada sobrevém nos momentos finais da peça. E assim uma guitarra, deixada sozinha no escuro, dá à luz o niilismo...