No final dos anos 60 do século XX, o jazz continuava a afastar-se progressivamente da sua primordial função de dança e entretenga. Os conflitos raciais na América e a porta cada vez mais escancarada ao acolhimento de novas influências, transformaram este género, negro na sua essência, em porta-estandarte de comunicação e reivindicação. Elementos espirituais e atávicos começaram a ser cada vez mais resgatados e a música tornou-se uma arte vanguardista, uma linguagem onde a religiosidade oriental e o retorno à Africa-Mãe para inspiração deram origem a cerimónias tão incendiárias quanto arrebatadoras. Karma, o terceiro álbum como líder do enorme saxofonista Pharoah Sanders é uma dessas distintas cerimónias. Dotado de uns pulmões sobrenaturais, este excepcional músico celebrizou-se, igualmente, por espalhar energia e alma em parcerias com John Coltrane e sua esposa Alice, entre outras luminárias do jazz mais avant-garde. Na obra em epígrafe, datada de 1969 e referência maior no honorável catálogo da lendária editora Impulse!, Sanders erege um monumento imponente e grave, mas igualmente libertador. Um monolito sónico dividido em duas partes, The Creator Has a Master Plan e Colors. A primeira peça, define, desde logo, o disco. Uma odisseia sobrenatural de 32 minutos de duração, que começa como franca reverência ao imortal John Coltrane de A Love Supreme e termina numa prece enlevada de saxofone e voz. Entre o princípio e o fim, uma miríade de variações sobre um tema, que assenta num groove em constante voragem. O elemento estranho mas absorvente é a voz de Leon Thomas, que se espraia entre o mantra hipnótico e transcendentes ululações. E o belíssimo fio de melodia que prende todo o tema estica até ao limite sem nunca se partir, desdobrando-se em infinitas camadas que vão da paz à exultação. Sem dúvida alguma, esta é uma das mais geniais composições de sempre nos anais do free jazz.
Talvez seja redundante afirmar que Colors nos invade o espírito com uma paleta de cores, mas não existe melhor forma de a descrever. O poder da voz de Leon Thomas é irresistível e o que fica quando a música magnífica se desvanece é a sensação que a nossa alma foi lavada e uma paz luminosa se apoderou de nós. Karma é um verdadeiro bálsamo musical, destinado a aplicação interna, sem contra-indicações nem perigo de sobredosagem.
Talvez seja redundante afirmar que Colors nos invade o espírito com uma paleta de cores, mas não existe melhor forma de a descrever. O poder da voz de Leon Thomas é irresistível e o que fica quando a música magnífica se desvanece é a sensação que a nossa alma foi lavada e uma paz luminosa se apoderou de nós. Karma é um verdadeiro bálsamo musical, destinado a aplicação interna, sem contra-indicações nem perigo de sobredosagem.