É impossível não associar o envelhecimento à decadência, a uma degradação involuntária quer física, quer cognitiva. Saber envelhecer é uma arte, assim como saber envelhecer na arte. Se tornar-se mais velho é tornar-se mais sábio, mais prudente ou mais sensato, pode ser também um realçar dos traços de carácter mais vincados, para o melhor e para o pior.
Luiz Pacheco faleceu em Janeiro de 2008. Pode afirmar-se com uma grande dose de certeza que viveu a vida mais rocambolesca e tragicómica de todos os escritores portugueses do século XX. Nascido no seio de uma família burguesa, termina os seus dias num lar de idosos no Montijo. Pelo meio, passou pela vida como um indivíduo alto, escanzelado, calvo, usando óculos com lentes muito grossas devido a uma forte miopia e, posteriormente, cataratas, cuja cirurgia o amedrontava, vestindo roupas usadas (por vezes andrajosas e abaixo ou acima do seu tamanho), hipersensível ao álcool (o que lhe valeu a fama de bêbado incorrigível), hipocondríaco julgando-se sempre à beira da morte (devido à asma e a um coração fraco) e um acintoso conversador, sempre rebelde e, por vezes demasiado, irreverente. Foi lançado há pouco tempo o livro O Crocodilo que Voa, que reúne, sob a coordenação de João Pedro George, uma série de entrevistas a várias publicações que Luiz Pacheco deu desde 1992. Obra obrigatória para conhecer a biografia desde autor e, particularmente, o seu discurso único, muitas vezes colorido e corrosivo, mas sempre lúcido. Alguns textos de Pacheco, com destaque para o imortal e desafiador O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor encontram-se aqui, zona que possui igualmente links para excertos de um documentário que passou na 2, pouco antes da sua morte e que vale muito a pena ver.
Há em cada um de nós uma pulsão de vida e uma pulsão de morte; um desejo de sobrevivência e de auto-aniquilação. Por vezes, há quem se sinta mais vivo na falha que no sucesso, na carestia que na opulência. Quase como um futebolista que prefere rematar para o lado perante uma baliza vazia...