Desta feita voltou-se para a electrónica e o rock experimental alemães. E fê-lo com a sageza habitual e o bom gosto dos apreciadores exigentes. Deutsche Elektronische Musik - Experimental German Rock and Electronic Music 1972-83 é uma colecção a roçar a perfeição.
A música que se descobre ao deambular por este disco, é feita de ruptura, de utopia, de idealismo e de romantismo. É arte criada pelos filhos do nazismo, encurralados entre um passado tenebroso e um futuro que não controlam. É um manifesto contra a ocupação, um grito de liberdade e individualidade, uma reacção às melopeias anglo-saxónicas, com as quais não se identificam e das quais não querem ser copistas.
Com o coração no Maio de 68 e a mente na vanguarda e na transcendência dos valores culturais, as bandas alemãs desta época construíram a sua própria linguagem, obstinada e propositadamente empenhada em romper com o passado e com a omnipresença da música inglesa e norte-americana. O que resultou foi descomunal em termos de influência, se bem que, como muitas vezes acontece, os merecidos louros não estejam nas sementes, mas sim nos frutos. É impensável falar de "Heroes" de David Bowie sem falar de Hero dos Neu!; é impossível mencionar The Bogus Man dos Roxy Music sem referenciar o pulsar cadente e monótono dos Can; ouça-se até o fabuloso Real to Real dos Simple Minds quando ainda eram uma boa promessa e denote-se a pastiche perfeita dos Kraftwerk. A espiral prolonga-se até ao infinito, sendo que o rasto ainda pode ser seguido nos mais actuais Deerhunter, The Horrors ou LCD Soundsystem...
É redundante apontar casos pontuais na excelência global de Deutsche Elektronische Musik.... Somente os gigantes Kraftwerk e o catedrático Klaus Schulze se podem apontar como ausências na congregação. Mas essas lacunas possibilitam igualmente a inclusão de actos menos conhecidos, mas igualmente possantes, como é o caso dos Between (envolventes e ritualistas na belíssima Devotion) ou dos Kollektiv (na libertária cosmogonia jazzística de Rambo Zambo). O agrupamento Ibliss apresenta igualmente uma sonoridade solta de jam session na longa High Life e dois exemplos da electrónica menos conhecida mas de créditos firmados surge com os temas de Michael Bundt e Deuter. O primeiro, La Chasse aux Microbes é derivativo dos grandes mestres do futurismo sintetizado, uma peça planante e suspensa no tempo, daquelas que possuem o dom de nos fazerem transcender a nossa própria presença. O segundo, Soham, é espiritualidade electrónica, que ora nos imerge em águas turvas como nos ergue até à luz. A palavra mantra faz sempre sentido na caracterização destas peças, pois parecem despoletar viagens circulares na nossa mente, travessias às apalpadelas pelo nosso próprio espírito, para que seja permitido o tempo e a possibilidade de descobri-lo.
O lauto pedaço que resta é composto por material lendário que todo o melómano que se preze deveria conhecer e que todo o neófito tem o dever de descobrir. Até porque a compilação é devotada ao lado mais acessível e menos carrancudo do Krautrock. Faust, Harmonia, Popol Vuh, Ash Ra Tempel e Cluster são mais nomes do copioso cardápio. Devorem-no!