20 de maio de 2010

A Escolha do Camaleão

Há muito que não se ouve nada novo de David Robert Jones, que é como quem diz, David Bowie. O último álbum de originais desta mais que influente personagem data de 2003 e deixou água na boca a quem lhe prestou a devida atenção. Mas o camaleão calou-se desde esse Reality, mais um marco na excelente forma que estava a conseguir em discos consecutivos desde o final do século passado. Propositadamente ou não, este silêncio tem aumentado ainda mais a parafernália de colectâneas, álbuns ao vivo e bootlegs tornados honestos que Bowie já ostentava com opulência.
No meio do constante revivalismo e consequente e saboroso cash-in, chamou-me a atenção uma compilação de 2008. Mesmo sendo mais uma, iSelect possui a diferença ser composta por temas reunidos propositadamente pelo Thin White Duke, em vez de material seleccionado por indivíduos engravatados reunidos no último andar de uma editora. O que sucede é um conjunto de temas menos conhecidos do grande público, mas queridos do autor e todos com o seu quinhão de génio. À excepção da abertura, consagrada ao épico e imortal Life on Mars?, a maioria dos temas restantes são momentos menos flagrantes da carreira do cantor, dos inícios como bardo da folk lisérgica em The Bewlay Brothers à vitória do estilo sobre a substância do ambíguo Time Will Crawl (que surge aqui remisturado para fazer esquecer o esquecível álbum que o albergou - Never Let Me Down). Da fase algo laxista, se bem que glossy e hiper-produzida dos anos 80, foi incluído igualmente Loving the Alien, talvez um dos poucos temas dessa década dos quais Bowie se pode legitimamente orgulhar.
Como seria de esperar, os desempenhos vocais são excelsos, com ênfase absoluto para o medley Sweet Thing/Candidate/Sweet Thing (Reprise), escuro, arrepiante e inimitável. Fantastic Voyage começa por assistir ao planar da voz até esta se lançar em vôo picado. Teenage Wildlife funde na perfeição os malabarismos vocais de Bowie à guitarra pirotécnica de Robert Fripp. A vaporosa, dramática e exacerbadamente romântica Lady Grinning Soul é um dos slows mais cintilantes do glam rock. Win é a soul de plástico que passeia ao de leve sobre a pele para nos penetrar a alma assim que nos apanha rendidos ao calor da sua investida.
iSelect pode ser mais uma colecção do camaleónico artista, mas uma das mais recompensadoras para os seus verdadeiros admiradores. Aliás, conhecer todos estes temas é prestigiante, pelo que voltar a eles é um prazer renovado. O próprio David Bowie apresenta a história que cada uma das peças encerra em http://www.davidbowie.com/iSelect/. Em vários idiomas, entre os quais o português, que já se viu que o homem gosta de açambarcar tudo.