15 de maio de 2010

Introspecções

Os nomes não dizem nada acerca da personalidade das pessoas. Quando se fala em artistas com pendor para um certo misticismo e espiritualidade orientais, tende a pensar-se que devem chamar-se algo como Pandit Pran Nath ou Toru Takemitsu. Tony Scott é um nome que não tem muito de filosofia milenar ou de faquir barbudo. No entanto, este clarinetista norte-americano editou, em 1964 e 1968, dois discos impregnados de savoir faire oriental e tão relaxantes e levitantes como um pôr-do sol em Jaipur ou um olhar demorado pelas montanhas de Shikoku.
Scott é um músico de jazz por excelência, tendo chegado a tocar com estrelas do firmamento do género como Billie Holiday ou Bill Evans. No entanto, uma perene paixão pela cultura oriental levou-o a terras nipónicas onde gravou em 64 o álbum Music for Zen Meditation and Other Joys. Rodeado de músicos japoneses e dos seus koto e shakuhachi, o único elemento jazzístico que flui do disco é o clarinete de Scott. Graças ao seu fraseado suave e circular, o sopro consegue realmente efeitos meditativos. Títulos sugestivos e derivados da poesia haiku como A Quivering Leaf, Ask the Winds ou After the Snow, the Fragrance, elevam a delicada energia que vibra do som.
Quatro anos volvidos, dá-se nova incursão pelos meandros do orientalismo. Desta feita, a travessia é feita pela Índia, ficando para a posteridade com o nome Music for Yoga Meditation and Other Joys. A atmosfera é densa, quase palpável, e os olhos parecem pesar perante o suave mas narcótico esmagamento da associação clarinete / cítara. Os temas são maioritariamente breves e chamados por uma só palavra (Prahna, Samadhi, Hatha...). Em Hare Krishna, uma voz entorpecente faz uma mântrica e parca aparição. O final do derradeiro capítulo, Santi, deixa escapar as sugestivas palavras que acabam por ser a súmula da intencionalidade da obra: Peace Above me / Peace Below Me / Peace All Around Me / Hare Krishna. Tal como o seu antecessor, não há grandes divergências nem fugas à estética traçada durante todo o álbum. Todos os trechos são tijolos coloridos do mesmo muro, assentes num forte espírito de improviso, mas coerentes e estáveis como produto final.
Cada um dos discos é uma obra-prima de música meditativa e introspectiva. Ideal para relaxar e deixar a tocar por longos períodos. Mesmo com o rótulo meditativo, o que se ouve aqui não é nada que se encontre no alguidar das bimbalhices new age ou das nauseabundas pan pipes. É música de qualidade, despida de polimentos, feita por verdadeiros músicos e habitáculo de uma pura e veemente transcendência. Imbuída de ideais que parecem desfasados da deprimente actualidade em que (quase) todos vivemos, mas aos quais é reconfortante regressar...